SÃO PAULO FUTEBOL CLUBE

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Fundação: 25 de janeiro de 1930
Apelidos: O Mais Querido, Clube da Fé, SPFC, Tricolor Paulista.
Esquadrão de Aço (30-35), Tigres da Floresta (30-35), Rolo Compressor (38-39, 43-49), Tricolor do Canindé (44-56), Rei da Brasilidade (50-60), Tricolor do Morumbi (60-), Máquina Tricolor (80/81), Tricolaço (80/81), Menudos do Morumbi (85-89), Máquina Mortífera (92/93), Expressinho Tricolor (94), Time de Guerreiros (2005), Soberano (2008), Jason (08-09), Exército da Salvação (2017), O Mais Popular (2023), Campeão de Tudo (2024).
Mascote: São Paulo, o santo.
Lema: Pro São Paulo FC Fiant Eximia (Em prol do São Paulo FC façam o melhor).
Endereço: Pr. Roberto Gomes Pedrosa, 1. Morumbi; São Paulo - SP. CEP: 05653-070.
Site Oficial: www.saopaulofc.net
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sábado, 26 de janeiro de 2008

Paulo Machado de Carvalho

Um dos maiores ícones da administração do São Paulo Futebol Clube em toda a sua história, Paulo Machado de Carvalho também foi advogado, radialista e um dos maiores empresários da área da comunicação.

Nasceu em São Paulo (SP) em 09 de novembro de 1911, faleceu em 07 de março de 1992. Sua ligação com o Tricolor vem desde 1934, quando foi Vice-Presidente do São Paulo Futebol Clube sob a administração de Edgard de Souza Aranha. Após sua nomeação como membro do Conselho Deliberativo e sua participação como Secretário Geral da Diretoria assume interinamente a presidência do clube em 1940.

De 1942 a 1947 esteve estritamente ligado às quatro linhas como Diretor do Departamento de Futebol do São Paulo. Tendo ainda, em dezembro de 1946, sido eleito Presidente do clube, cargo que ocupou até 1947, abdicado para novamente voltar ao controle exclusivo do futebol tricolor, de onde só saiu em 1951.

Mas nunca deixou de participar do dia à dia do clube. Amor falando mais alto, novamente foi Vice-Presidente de 1955 a 1956, sob a égide de Cícero Pompeu de Toledo. Em 1957 torna-se Vice-Presidente da CBD e em 1958 assume o posto de Chefe da Delegação Brasileira na Copa do Mundo da Suécia (e também do Chile, em 62), ficando conhecido como Marechal da Vitória.

Em 1961, o Prefeito de São Paulo, Prestes Maia, o homenageia dando seu nome ao Estádio Municipal do Pacaembu.

Este foi, um pequeno resumo em minhas palavras sobre este grande dirigente. Mas elas são simplórias e de pouco peso à devida atenção que merece. Vamos então a uma coletânea de artigos que aqui transcrevo - e que pretendo sempre que possível expandir.

Recomendo a leitura, ainda que talvez pesada para alguns, são um deleite para a vista.

O marechal da vitória

Por Juliana Araujo para o site Revista Invicto.

Fundador da rádio e da TV Record, Paulo Machado de Carvalho liderou a delegação brasileira no bicampeonato mundial de 58 e 62.

Minutos antes da estréia do Brasil na Copa do Mundo da Alemanha, contra a Croácia, o brasileiro mais confiante na vitória era o coordenador técnico Mário Jorge Lobo Zagallo. Jogador das seleções lideradas por Paulo Machado de Carvalho em 1958 e 62, o ex-ponta-esquerda se contagiou com as crendices do então chefe da delegação brasileira. Supersticioso, Paulo Machado vestiu seu terno marrom na estréia do Brasil na Copa da Suécia, em 1958, 3 a 0 sobre a Áustria, e não abandonou mais a roupa em nenhum jogo naquela Copa e na seguinte, no Chile.

Além da roupa, o empresário e dirigente esportivo, que dá nome ao estádio do Pacaembu confiava em Nossa Senhora Aparecida para ganhar.

Mas nem sempre a superstição trouxe vitórias na vida de Paulo Machado de Carvalho. Paulistano formado na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo, ele jamais se imaginou exercendo a profissão de advogado –um gosto antigo do pai, Antônio Marcellino de Carvalho. Com espírito empreendedor, o futuro fundador da rádio e da TV Record resolveu comprar um cartório na Rua Riachuelo, no centro da capital paulista. Em pouco tempo, um incêndio destruiu o lugar. Paulo achava que era crime, mas, sem ter como prová-lo, ficou sem um tostão da companhia de seguro.

O jovem decidiu que nunca mais faria negócio com seguradoras. Mais tarde, sofreu com a escolha. Nas décadas seguintes, acabou enfrentando mais quatro incêndios em suas empresas.

O segundo negócio do futuro “marechal” foi para a vida toda. Em 1931, ele adquiriu a Rádio Record, no número 17 da Praça da República. Prestes a estourar a Revolução Constitucionalista de 1932, a emissora foi apelidada de “rádio da revolução”, por dar voz aos rebeldes paulistas contrários ao governo de Getúlio Vargas. Mais tarde, com a censura política nas rádios, Paulo explorou outro assunto para conquistar a audiência: o esporte. A Record revolucionou a radiodifusão do país, com a transmissão de jogos e a participação de comentaristas esportivos.

O amor pelo esporte nasceu enquanto assistia a partidas no Club Athlético Paulistano. Quando o time do clube se desfez, Paulo Machado apoiou a fundação do São Paulo Futebol Clube, em 1935. Vidrado no time do coração, foi diretor esportivo do tricolor por anos. Chegou a presidi-lo em 1940 e 1947, mas não suportou os serviços burocráticos longe dos gramados e se demitiu das duas gestões, depois de alguns meses.

“Ele era uma pessoa de muito carisma e respeito e conseguia passar isso para os jogadores”, define o primogênito Paulo Machado de Carvalho Filho. “Minhas paixões pela comunicação e também pelo São Paulo veio dele.”

À frente do clube que ajudou a fundar, Paulo Machado contratou Leônidas da Silva, o “Diamante Negro”, para disputar o Campeonato Paulista de 1942. Apesar da derrota para o Palmeiras, o time foi campeão no ano seguinte e conquistou o título em outros quatro anos na década de 40.

Dividido entre a carreira de dirigente e empresário, Paulo Machado criou, em sociedade com o cunhado Pipa Amaral, as Emissoras Unidas, que reuniram, em 1943, as rádios Record, Record, São Paulo e, mais tarde, a Panamericana. Rebatizada em 1965 de Jovem Pan, para acompanhar as tendências da Jovem Guarda que estourava na época com Wanderléa e Roberto Carlos, a Panamericana foi criada para a cobertura especial de esportes. Da rua São Bento, sede da nova emissora no centro de São Paulo, saíam repórteres esportivos que fizeram, pela primeira vez no Brasil, a cobertura de jogos atrás dos gols em uma partida.

Mais de dez anos depois, as cinco vitórias pelo campeonato paulista chamaram a atenção do então vice-presidente da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), João Havelange. No final de 1957, o empresário foi convidado a chefiar a delegação da seleção brasileira na Copa da Suécia.

Para apagar o passado de derrotas em Copas, Paulo Machado elaborou 96 itens num plano de atuação que levou seu nome. “A organização tinha, pela primeira vez, psicólogo, dentista, massagista. Ele sabia harmonizar o grupo e ganhou brilhantemente o título”, relata o cronista esportivo Orlando Duarte, 76. “E repetiu tudo em 1962. A superstição dele ia longe”, conta o comentarista.

Duarte lembra que o avião que levou a Seleção Brasileira à Suécia em 1958 pertencia à empresa Panair. Vitorioso, Paulo Machado fez questão de repetir a dose quatro anos depois. “Em 1962, a Panair já não existia mais e a Varig transportou a seleção. Mas o doutor Paulo conseguiu que os mesmos comandantes que pilotaram o avião em 58 voassem com eles para a Copa do Chile”, afirma. Duarte também garante que uma das turbinas do novo avião ainda tinha a marca da Panair. “Eles colocaram aquilo lá. Eu vi.”

Na Copa da Suécia, outras crenças de Paulo Machado foram reveladas. No primeiro jogo, a vitória do Brasil em cima da Áustria por 3 x 0 fez com que o chefe da delegação brasileira adquirisse um novo uniforme: o terno marrom daquele dia. Desde então, em todos os jogos dessa e da Copa seguinte, ele não tirou mais a roupa. A fé de Paulo contagiou todos, até o supervisor durão Carlos Nascimento, que passou a sentar sempre no mesmo lugar nos ônibus que transportavam a seleção, e o trio de jornalistas escalados para auxiliar o líder da seleção –Ari Silva, Paulo Planet Buarque e Flávio Iazzetti– que colocavam camiseta por cima da camisa e da gravata.

Além da sorte, Paulo Machado contava com a disciplina para treinar uma seleção de sucesso. Desde a época do São Paulo Futebol Clube, foi ele quem pensou, pela primeira vez, no futebol como profissão, com obrigações e regras a serem seguidas, como a concentração do time. “Ele era muito sério, não admitia nenhum tipo de indisciplina. Quando tinha de punir, punia”, descreve o ex-craque do Santos, José Macia, o Pepe, 71 anos, que trabalhou com Paulo Machado na seleção paulista e na brasileira em 58 e 62. Titular contundido, deu lugar ao reserva Zagallo nos dois mundiais.

Pepe se lembra bem do terno marrom, mas a final contra a Suécia foi ainda mais marcante. “O Brasil teria de jogar de azul para a Suécia ficar com a camisa amarela. Alguns atletas ficaram cismados, porque jogamos todas as partidas de amarelo. Mas antes do jogo, o Paulo falou para todos nós que gostou muito da nova cor do uniforme, porque tinha a mesma cor do manto de Nossa Senhora Aparecida. Aquilo nos incentivou muito”, lembra. O Brasil ganhou de 5 a 2 naquele dia. E, a pedidos dos fotógrafos, o capitão Bellini levantou, pela primeira vez, a taça Jules Rimet. O jeito de comemorar do capitão é imitado até hoje em finais de Copas do mundo.

Mesmo depois que o juiz francês Maurice Guigue apitou o fim da partida, o jogo ainda não havia terminado para Paulo Machado. Ele incumbiu o dentista da delegação Mário Trigo de uma importante tarefa: resgatar a bola do jogo. Ainda no gramado, Trigo deu um soco na bola, que estava nas mãos do árbitro, e saiu correndo. Em 1962, o massagista Mário Américo surrupiou mais uma vez a bola oficial para entregar nas mãos do chefe da delegação. As bolas, junto com medalhas e troféus de Paulo Machado, foram doadas pelo filho ao museu da FPF (Federação Paulista de Futebol).

Na primeira fase da Copa de 2006, o atacante Fred bem que tentou imitar o Paulo Machado. Contra a Austrália, o reserva entrou faltando três minutos para o final do jogo e marcou o segundo gol brasileiro (na vitória por 2 x 0). Quando o juiz apitou o fim da partida, ele agarrou a bola e seguiu para o vestiário. “Queria dar de presente para o meu pai”, revelou Fred. Mas a Fifa o obrigou a devolver o mimo. Em 62, a Fifa também fez Mário Américo devolver a bola. “Mas quando chegaram ao vestiário, ele entregou uma réplica e escondeu a oficial”, conta Paulo Machado de Carvalho Filho.

Apesar das poucas alterações do chefe da delegação brasileira para a seleção na Copa do Mundo do Chile, praticamente com os mesmos jogadores que disputaram o mundial na Suécia, o povo brasileiro contou com uma novidade naquele ano. Pela primeira vez, assistiu aos jogos do mundial em casa. As fitas com as partidas chegavam à sede da TV Record com dois dias de atraso.

No time, Garrincha, que participou das duas Copas, brilhou. Pelé, que tinha apenas 17 anos em 58 e foi escalado como titular em 62, marcou um dos dois gols na estréia contra o México, mas sofreu uma contusão na virilha logo na segunda partida, contra a Tchecoslováquia, e teve de abandonar os gramados do Chile.

Doente, o treinador da seleção na Suécia, Vicente Feola, não viajou para o Chile. Em 62, Aimoré Moreira, foi o substituto, e a seleção, bicampeã com a vitória de 3 a 1 sobre a Tchecoslováquia na final.

Superstição à parte, Paulo Machado de Carvalho se tornou um santo das Copas do Mundo, afinal o Brasil nunca havia conquistado o título antes da liderança dele. Apontado como um dos maiores responsáveis pelas conquistas nos dois mundiais virou o “Marechal da Vitória” pelo resto da vida.

Mas o marechal não teve a mesma sorte em 1966. Recusou-se a viajar para a Inglaterra com a seleção sem que tivesse suas exigências atendidas pela CBD.

Propositalmente, João Havelange anulou a hipótese de escalar o treinador Aimoré Moreira, como desejava Paulo Machado, e não convidava o dirigente para reuniões de organização da delegação. De olho na presidência da Fifa, dessa vez queria ele mesmo ser chefe da delegação. “No entanto, houve uma sucessão de erros. Em vez de 22 jogadores, foram convocados 45. Chegaram a levar 27 para a Europa. A desorganização marcou a delegação brasileira”, comenta o diretor de jornalismo da Rádio Capital e professor de Rádio Jornalismo da PUC-SP, Luiz Carlos Ramos.

Naquele ano, Paulo Machado de Carvalho decidiu abandonar de vez a CBD. Em 1966, teve de voltar a se preocupar com suas empresas. A sede da Rede Record, na Avenida Miruna, no Aeroporto, foi atingida por um incêndio devastador que destruiu, além de equipamentos modernos, 300 rolos de fitas com preciosidades como shows de Maysa, Elizeth Cardoso e Ângela Maria. O centro de TV da Record passou a funcionar no Teatro Consolação, e para contornar o prejuízo, foram criados programas inesquecíveis como “O Fino da Bossa” e “Família Trapo”.

Na época, também foram realizados os grandes festivais de música popular brasileira da emissora, que revelaram talentos como Chico Buarque. Mas o que todos queriam esquecer se repetiu outras duas vezes. Com o país sob o regime militar, um suposto ataque comunista ao Teatro Consolação destruiu o então palco dos programas da rede. O mesmo aconteceu com o Teatro Paramount, na Avenida Brigadeiro Luís Antônio. E, mesmo assim, Paulo Machado manteve sua aversão às seguradoras.

Quando a rede Record passou a ter problemas financeiros por causa dos seguidos incêndios e da concorrência com a TV Globo, não houve terno marrom que ajudasse. E o marechal decidiu vender metade da emissora para um grupo gaúcho. A Record foi comprada mais tarde por Sílvio Santos, mas o apresentador preferiu vender a emissora à Igreja Universal do Reino de Deus em 1989. “A primeira mudança da igreja foi remover a imagem de Nossa Senhora colocada em frente à sede da TV por Paulo Machado de Carvalho”, afirma Ramos.

Paulo Machado já estava muito doente em casa, a família manteve a transação em segredo. “Meu pai estava muito mal. Não podíamos contar, senão ele morreria. Jamais aceitaria isso”, conta Paulo Machado Filho. O Marechal da Vitória morreu aos 90 anos no dia 7 de março de 1992.

O marechal da vitória volta a campo

Por Wladir Dupont, extraído do Observatório da Imprensa. Tambem presente em:
O Marechal da Vitória – Uma história de rádio, TV e futebol, de Tom Cardoso e Roberto Rockman, 365 pp., A Girafa, São Paulo, 2005.

Tendência recente da nossa indústria editorial tem brindado leitores e estudiosos com competentes livros sobre São Paulo, sua gente, seus empreendimentos, com oportuna e ampla visão de conjunto dos últimos cinqüenta anos, em vários campos de atividades. Aí se incluem obras sobre o publicitário Geraldo Alonso, o escritor Marcos Rey, o cineasta Rodolfo Nanni, o compositor Adoniran Barbosa, o craque do São Paulo F.C. Leônidas da Silva, o conde Francisco Matarazzo, fundador das Indústrias Matarazzo, o comandante Rolim Adolfo Amaro, criador das linhas aéreas TAM, entre outros, Tendência, como se nota, algo difusa e bastante diversificada, mas nem por isso menos sólida e atraente, desviando um pouco do palco as luzes ofuscantes que, no mesmo ritmo, sempre chegam do Rio, o centro tradicional da cultura no país.

Reforça agora a presença dos paulistas nesse cenário a biografia do famoso "Marechal da vitória", o empresário Paulo Machado de Carvalho (1901-1992), o "dr. Paulo", uma mistura peculiar de homem de rádio e TV e dirigente esportivo, que batalhou durante 60 anos para dar à sua cidade o melhor em matéria de comunicação, com a rádio e a TV Record, empenho que realizou de forma plena. E, nos apertados intervalos, movido por outra paixão, levando a seleção, sob seu comando geral, aos dois primeiros campeonatos mundiais de futebol do Brasil – o de 1958, na Suécia e o de 1962, no Chile.

Só não liderou o tricampeonato no México, em 1970, por causa das intrigas palacianas da CBF e da cartolagem carioca, mortas de inveja dos logros de Machado, da mesma forma que não pôde evitar, nos anos 1980, a melancólica e irreversível decadência de suas emissoras de rádio e TV, que acabariam caindo, por conta de incêndios seguidos e administração errática, além da arrasadora concorrência da TV Globo de Roberto Marinho, primeiro nas mãos espertas de Silvio Santos, depois nas messiânicas do pastor evangélico Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus.

O sagrado manto azul

Tarefa complexa é, nesse tipo de biografia, na qual além dos oscilantes chiaro-oscuros da personalidade focalizada se bifurcam seus talentos e conquistas – caso do dr. Paulo, cuja vida dividiu-se entre o rádio e a televisão e o futebol –, tarefa complexa é armar um quadro seqüencial e sobretudo abrangente, passando de uma área a outra de forma descontraída ao longo do livro.

Os dois jovens autores da obra lograram muito bem esse objetivo, revelando facetas curiosas de Paulo Machado de Carvalho como homem e empresário, algumas provavelmente inéditas ou, pelo menos, menos conhecidas, e ao mesmo tempo relatando, com fartura de informações e num estilo claro e fluente, episódios importantes da vida brasileira, como foram o surgimento do rádio e da televisão, a explosão da música popular em festivais de auditório, a profissionalização do futebol que culminou gloriosamente com dois campeonatos mundiais, todas etapas nas quais Machado teve participação fundamental.

Com efeito, um dos aspectos logo ressaltados no livro é a própria figura humana do dr. Paulo, muito diferente dos malandros e tubarões que sempre o rodearam, tanto no campo da comunicação como no futebol. Além de católico devotado, crente fervoroso nos milagres de Nossa Senhora Aparecida, sob cujo manto azul sempre procurava abrigo e proteção, marido e pai dedicado, era um empresário íntegro, compreensivo embora durão quando necessário no trato com seu pessoal, mas despojado de vedetismos tolos ou poses imperiais.

E, importante, graças ao seu jeitão conciliador, sempre pronto a maneirar as situações mais difíceis com diálogo e bom senso, fez-se amigo de concorrentes de respeito, como Assis Chateaubriand, fundador dos Diários Associados, evitando assim conflitos desgastantes no momento de aventurar-se na frente dos competidores mais próximos – Chatô por certo o mais ágil, de maior cuidado.

Supersticioso, jamais assegurou seu patrimônio imobiliário, as instalações da rádio e da televisão principalmente, pouco a pouco devorado por contínuos incêndios. Tungado em alguma ocasião por uma empresa de seguros, no início de sua carreira, jurou nunca mais aplicar dinheiro nesse tipo de providência, teimosia que no final contribuiu muito para o declínio de suas empresas. Resistente foi também às modernas práticas administrativas: até o fim da vida empresarial controlava o fluxo financeiro da rádio e da TV num caderninho preto, dividido em colunas "a pagar" e "a receber."

Teve, porém, sorte com os filhos – Paulinho, Alfredo e Antonio Augusto, o Tuta –, que além de se darem muito bem como irmãos, gradualmente assumiram o controle cotidiano técnico, artístico e comercial da casa. Mas o dr. Paulo supervisionava de perto o andamento das coisas; era um patrão acessível mas vigilante, sempre centralizador.

A voz de São Paulo

Filho de próspera família de classe média, morador num casarão da rua das Palmeiras, em São Paulo, o garoto Paulo, como alguns poucos de sua geração, rebelou-se contra o sonho clássico dos pais da época – formar-se bacharel em Direito e vestir a toga de magistrado. Freqüentador assíduo dos campinhos de várzea, onde cultivava seu prematuro amor pelo futebol, formou-se advogado na Faculdade do Largo de São Francisco, isso sim. Mas em 1931, aos 30 anos de idade, sem rumo definido na vida, comprou, para horror da mãe, a matriarca Dona Brasília, filha de barões, uma rádio meio falida no número 17 da praça da República, por 25 contos de réis.

Neófito em rádio, que na época também era um negócio incipiente, Machado nunca vira um microfone em sua vida quando entrou nas salinhas acanhadas e escuras da emissora para conferir, no meio do pó acumulado, o que havia comprado. A precariedade do quadro ali visto não o desanimou o suficiente para recuar.

Em poucos meses o indócil empresário já administrava uma rádio-modelo, com audiência e prestígio, graças a uma programação moderna e popular. Aproveitou bem os tempos de turbulência do movimento constitucionalista de 1932, abrindo os microfones a manifestações e protestos dos revoltosos contra o governo de Getúlio Vargas, assim se arriscando, ao desafiar o poder maior do país, a perder a concessão da rádio, chamada pela população de "A voz de São Paulo".

Nesse período deu rédea solta ao talento explosivo e provocador de grandes locutores iniciantes como César Ladeira e Nicolau Tuma, criou noticiários jornalísticos, programas sobre futebol, levou a São Paulo os grandes nomes da música popular da época, estrelas do calibre de Carmen Miranda e Orlando Silva. Da parte artística da emissora, escrevendo programas, cuidavam outras duas jovens revelações, os redatores Otávio Gabus Mendes e Raul Duarte.

Um bonde de 200 contos

Na virada dos anos 1940, consolidada a Rádio Record tanto na audiência como no caixa, Paulo Machado de Carvalho já andava bem enfiado nos bastidores do futebol paulista, na condição de dirigente do São Paulo Futebol Clube, seu time do coração. Coitado do funcionário que fizesse na frente do chefe alguma gozação sobre as agruras são-paulinas, pois o homem passava mais tempo na sede do clube do que na emissora, quebrando a cabeça para elevar o nível técnico da equipe.

O São Paulo de fato andava mal, se arrastava atrás do então Palestra Itália e do Corinthians. Era preciso, para disputar o campeonato de 1942, reforçar o onze tricolor com um grande craque. A solução, temerária, foi contratar a peso de ouro, 200 contos de réis da época, a Leônidas da Silva, o lendário Diamante Negro, que, aos 29 anos, joelhos estropiados, não queria mais saber nem do Flamengo nem do futebol. A proposta do São Paulo porém era irrecusável, sobretudo em termos de um digno e seguro fim de carreira.

Na opinião de cronistas da época, entre eles o destemperado e agressivo Geraldo Bretas, o São Paulo comprara um bonde de 200 contos na figura obesa e lenta de Lêonidas. O jogador realmente começou devagar, mas aos poucos recuperou a forma física e técnica: em 1943, o São Paulo ganharia seu primeiro título no campeonato paulista conduzido pelo futebol mágico do negrão carioca, vindo em seguida os títulos de 1945, 46, 48 e 49, com Leônidas no centro do ataque, dando suas fantásticas "bicicletas", e uma linha média imbatível formada por Bauer, Rui e Noronha.

Televisão no tapa

As experiências bem-sucedidas de Paulo Machado no mundo radiofônico e do futebol aos poucos o prepararam para vôos mais altos, como foi a implantação do Canal 7, TV Record, que no encalço da pioneira TV Tupi do amigo Chateaubriand, inaugurada em 1950, ele colocou no ar três anos depois, na avenida Miruna, perto do aeroporto de Congonhas, em instalações amplas e luxuosas: só o estúdio principal tinha 450 metros quadrados.

A festa acabou melada por um incêndio na sede da Rádio São Paulo, do grupo Emissoras Unidas (a outra era a esportiva Panamericana, mais tarde Jovem Pan), num casarão da avenida Angélica, que, incentivada por um enorme público cativo, transmitia vinte novelas diárias. O fogo transformou em cinzas todo o arquivo de radionovelas da emissora.

Competir com o ousado e milionário Chateaubriand não foi fácil, sobretudo nos primeiros anos, mas o dr. Paulo, cercado de uma equipe vigorosa e cheia de imaginação, logo transformou o Canal 7 numa boa alternativa de TV em São Paulo, a custa de incríveis malabarismos técnicos para suprir as carências de equipamento, com coberturas esportivas, programas cômicos e musicais, seriados infantis, e o saudoso Circo do Arrelia.

"Engole essa!"

Certa manhã de 1957, por volta das 6h30, o dr. Paulo, homem metódico, chegou à TV Record, deu uma caminhada pelas redondezas da emissora, cumprimentou os vizinhos, entrou e, enquanto fazia a barba no pequeno salão, leu os jornais. Parecia um dia normal, tranqüilo, mas na verdade uma visita inesperada mudaria o rumo da sua vida nos próximos cinco anos, trazendo-lhe grandes alegrias mas também canseiras e amarguras.

O vice-presidente da então CBD (Confederação Brasileira de Desportos), o carioca João Havelange, vinha com uma proposta surpreendente, que adoçou com belas palavras: "Olha, Paulo, quero uma seleção que faça o povo esquecer os fracassos dos últimos anos. Preciso de uma seleção vitoriosa, de um time campeão. E quero você como supervisor. Pode armar tudo, com carta branca".

Para refletir melhor sobre esse novo e tremendo desafio profissional, Machado dobrou as voltas que dava ao redor da sua emissora de TV. Era preciso pensar muito bem para formar uma comissão técnica séria e competente, alheia ao bairrismo político entre São Paulo e Rio, bem como resistente às provocações de jornalistas inconformados com as escolhas dos nomes de técnico e jogadores.

Com seu estilo na base do primeiro-escute-depois-responda, principalmente no trato com jogadores difíceis, cabeças complicadas (Garrincha, entre outros), e pondo em prática seu espírito pragmático de organização e disciplina, dr. Paulo, depois de comandar o primeiro campeonato mundial na Suécia, em 1958, repetiria o feito em 1962, castigando com o maior gostinho um de seus críticos mais duros na imprensa paulistana, o locutor da Rádio Bandeirantes Pedro Luiz, que desceu-lhe o cacete durante a campanha do bicampeonato. Dado o apito final no jogo contra a Tchecoslováquia, que trazia ao Brasil um segundo título mundial, dr. Paulo gritou no microfone de um repórter da Bandeirantes: "Engole mais essa, Pedro Luiz!".

No dia em que a TV Record, em irrecuperável situação financeira, passou oficialmente ao controle da Igreja Universal do Reino de Deus, em março de 1990, ninguém da família teve coragem de comunicar o fato ao dr. Paulo, solitário e entediado dentro de sua sala, à beira dos 90 anos. Coube ao diretor comercial da Rádio Record, Chico Paes de Barros, avisar ao chefe e amigo que aquela seria sua última tarde no escritório da avenida Miruna.

– Dr. Paulo, a Record acabou de ser vendida aos evangélicos.

– Lamento, meu filho. Ergui isso aqui do nada, em 1931. Mas não havia mais o que fazer. Vamos para casa.

Cronologia: A vida do Marechal da Vitória

Enciclopédia do Futebol Brasileiro, Revista Lance!, Volume II.

1932 - Funda a Rádio Record e a Associação de Emissoras de São Paulo. Trabalha com Assis Chateubriand.
1934 - Vice-Presidente do São Paulo da Floresta.
1935 - Vice-Presidente da Liga Paulista de Football.
1943-1947 - Diretor do Departamento de Futebol Profissional do São Paulo.
1944 - Adquire a Rádio Panamericana, que passa a integrar o Grupo das Emissoras Unidas.
1946 - Transforma a Panamericana em rádio de esportes. Integra o Tribunal Desportivo da CBD.
1946-1947 - Assume e abdica a presidência do São Paulo.
1950 - Supervisor da Seleção Paulista.
1953 - Membro do Conselho Técnico de Futebol da CBD. Cria a escola de arbitragem da Federação Paulista de Futebol.
1954 - Declarado presidente de honra do XV de Jaú e da AA São Bento, de São Caetano do Sul.
1955 - Supervisor da Seleção Brasileira.
1957 - Vice-Presidente da CBD.
1958 - Chefe da Delegação Brasileira na Copa do Mundo da Suécia. Fica conhecido como "Marechal da Vitória". Presidente de Honra da Federação Paulista de Futebol.
1961 - Homenageado pelo prefeito Prestes Maia, dá nome ao estádio do Pacaembu.
1962 - Repete o feito de 1958 e volta a chefiar a delegação brasileira no bi mundial.
1965 - Muda o nome da Rádio Panamericana para Jovem Pan.
1966 - Secretário do Estado no governo de Laudo Natel.
1970 - Eleito Vice-Presidente da Federação Paulista de Futebol.
1973 - Deixa de exercer cargos públicos e aposenta-se.

Histórias...que a História Não Contou

de Paulo Machado de Carvalho Filho & Carlos Caraucci

Fatos e feitos contados por Paulo Machado de Carvalho Filho, grande homem de Rádio e Televisão, recheados com fotos!

Histórias...que a História Não Contou é narrado em primeira pessoa e com ritmo de quem gosta de sentar e contar histórias para a família e os amigos. Paulo Machado de Carvalho Filho, homem da Radio Record, TV Record e são-paulino roxo, apresenta neste livro histórias reais e curiosas que viveu durante sua vida profissional e pessoal entre 1940 e 1990.

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Imagens: site do Milton Neves, Perspectiva Arquitetura e Prefeitura de São Paulo.

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