Ao criar a postagem sobre a Pequeña Copa del Mundo, dias atrás, me veio à mente a necessidade de escrever sobre dois fatos curiosos (e perigosos) envolvendo o São Paulo e o Real Madrid nesse torneio. Começarei pelo relato de Bellini, ex-zagueiro do Tricolor e que esteve presente no ocorrido:
Tiros contra os espectadores
"Ao final do primeiro tempo, registrou-se incidente político: elementos da Frente de Libertação Nacional [na realidade: Fuerzas Armadas de Liberación Nacional, n/e] atiraram bombas e deram tiros contra os espectadores e o jogo teve seu segundo período iniciado com mais de 40 minutos de atraso. (...) O domínio absoluto do São Paulo transcorreu até ao final, aproveitando-se das falhas das defesa do Real. Além de um pênalti não marcado, o árbitro deixou os espanhóis usarem livremente o jogo violento".
Revista Especial Lance!: Série Grandes Clubes - São Paulo (1999).
O interessante é que o Bellini relata como se não fosse nada de mais, nada anormal. Com uma tranqüilidade que, imagino, não devia estar presente em todos os jogadores que vivenciaram aquela situação de risco.
Por fim, reproduzo um texto de Conrado Giacomini, acerca não somente do fato anterior, mas também sobre a excursão em si do São Paulo e, principalmente - destaco, o rapto do jogador argentino do Real Madrid, Alfredo Di Stéfano.
Por fim, reproduzo um texto de Conrado Giacomini, acerca não somente do fato anterior, mas também sobre a excursão em si do São Paulo e, principalmente - destaco, o rapto do jogador argentino do Real Madrid, Alfredo Di Stéfano.
O Seqüestro de Alfredo Di Stéfano
SPFC 2x1 Real Madrid (1963) - A Pequena taça do mundo
por Conrado Giacomini
O São Paulo sempre fez bonito quando jogou no exterior. Desde uma vitoriosa excursão pelo continente europeu em 1951 (num combinado com o Bangu), o tricolor nunca perdeu o hábito de representar, e bem, o futebol brasileiro em terras estrangeiras. No ano de 1963, poucos dias após obrigar o Santos de Pelé a fugir de campo, voltaríamos para Caracas a fim de disputar pela segunda vez a Pequena Taça do Mundo.
Mas, afinal, o que era essa Pequena Taça do Mundo? Em meados das décadas de 50 e 60, a competição era considerada uma coqueluche do futebol internacional. Foi uma espécie de predecessora do Mundial Interclubes, tamanho o interesse que despertava nos grandes clubes europeus e sul-americanos. Ao longo da história vários clubes expressivos tiveram o privilégio de disputá-la: os espanhóis Real Madrid, Barcelona, Valencia, La Coruña, Sevilla e Zaragoza; os portugueses Porto, Benfica e Sporting; os italianos Roma e Lazio; o inglês Chelsea; o alemão Werder Bremen; o uruguaio Nacional e o argentino River Plate. Os clubes brasileiros também deram o ar de sua graça na disputa, como Corinthians, Santos, Vasco e Botafogo. Na edição de 1955, num quadrangular que envolveu Benfica, Valencia e o venezuelano La Salle, o São Paulo conquistou pela primeira vez o prestigioso caneco.
Em 1963, Porto e Real Madrid fariam companhia ao São Paulo no torneio. Os merengues ostentavam o maior esquadrão de sua história. Para se ter uma idéia do poderio da equipe, a FIFA, na virada do milênio, promoveu uma enquete entre jornalistas, técnicos e ex-jogadores que apontou este time como o maior do século, superando inclusive o Santos de Pelé.
Base da seleção espanhola campeã da Copa Européia de seleções em 1964, a equipe ainda tinha Ferenk Puskas, húngaro, lendário capitão e craque do fantástico escrete magiar que encantou o mundo na Copa de 54; e Alfredo Di Stéfano, argentino, para muitos o melhor jogador de seu país em todas as épocas, superior até a Maradona. A constelação também contava com craques como o brasileiro Evaristo de Macedo e os espanhóis Gento e Amâncio. Por todos esses foras-de-série o natural seria que a taça tomasse o rumo do Santiago Bernabeu.
A grande ameaça à competição, contudo, não vinha de dentro do campo, mas de fora dele. É que em 1963, a Venezuela, assim como todos os países da América Latina, vivia um período turbulento, de profunda agitação sócio-política; afinal, era um tempo de conflitos ideológicos, da Guerra Fria, e a Venezuela era um país estrategicamente muito importante em virtude de sua localização geográfica e de suas inesgotáveis jazidas de petróleo e gás natural (era o maior exportador do mundo à época).
A história do país sempre foi marcada por sucessivos golpes de estado e longos períodos de regimes de exceção. Em 1959, logo após um desses golpes, Rómulo Gallegos foi eleito presidente. Três anos depois, no interior do país, começou a eclodir vários movimentos guerrilheiros de esquerda, inspirados na Revolução Cubana. O governo venezuelano, então, acusou Cuba de financiar essas guerrilhas e rompeu relações diplomáticas com Havana, além de passar a apoiar o embargo econômico norte-americano à ilha. No ano seguinte, na tentativa de combater as guerrilhas, o governo decretou estado de sítio e suspendeu todas as garantias constitucionais. Era com esse clima de tensão que a Pequena Taça do Mundo seria disputada.
No primeiro jogo do triangular, o Real Madrid venceu o Porto por 2 tentos a 1. Na partida seguinte, foi a vez do São Paulo jogar - e ganhar - da equipe portuguesa, também por 2 a 1, com dois gols anotados pelo paraguaio Cecílio Martinez. O terceiro e decisivo jogo seria entre as estrelas do Real contra os limitados mas embalados são-paulinos. O São Paulo teria um desfalque importante. Pagão, contundido, não estava em condições de jogo. O Real também jogaria sem um de seus principais jogadores, só que por um motivo para lá de insólito.
Às vésperas do jogo, membros da organização clandestina de extrema esquerda denominada Frente de Libertação Nacional (FALN), fazendo-se passar por policiais, invadiram o Hotel Potomac, onde a delegação madrilenha estava hospedada, e seqüestraram Di Stéfano, com o objetivo de chamar a atenção do mundo para a causa do grupo. A grande ironia dessa história é que três anos antes o astro argentino participou de um filme na Espanha onde fazia o papel de um...refém de seqüestro! Em tempo: Di Stéfano foi libertado três dias depois, são e salvo. Mas a mesma Frente de Libertação Nacional ainda aprontaria mais uma confusão.
Começado o jogo e o São Paulo já foi partindo pra cima, sem se importar com o rosário de craques que desfilava pelo time adversário. Aos 12 minutos, Benê pega uma bola na altura do meio-campo e arranca rumo ao campo rival, só sendo parado junto à bandeirinha de escanteio, pelo lado direito do ataque, em falta cometida por Casado. Na cobrança, Faustino chuta a bola forte e rasteira, toca nos calcanhares do médio francês Muller e entra, 1 a 0. Oito minutos depois, na única chance de gol concreta do Real, Puskas faz bonita jogada e serve a Evaristo, que empata, 1 a 1.
Fim do primeiro tempo, princípio de novo tumulto em Caracas. Os integrantes da FALN invadiram o estádio, tentando pular a grade de ferro que circundava o campo, atiraram bombas e deram tiros contra os espectadores, que, apavorados, adentraram o gramado para se proteger do fogo cruzado. Os policiais intervieram e o pandemônio aumentou, com mais disparos em direção às arquibancadas. Só um milagre explica o fato de ninguém ter morrido ou se ferido mais gravemente.
40 minutos depois, já com a ordem restabelecida, deu-se início ao segundo tempo, novamente com o tricolor buscando mais o gol. Eram jogados 14 minutos quando Benê foi lançado em profundidade e saiu na cara do goleiro. Para evitar o gol, Araquistain saiu de sua área e fez falta no avante tricolor. Nondas, que acabara de entrar no lugar de Cecílio Martinez, cobra a infração violentamente; a bola ainda pega numa das balizas antes de entrar, 2 a 1.
O segundo gol desnorteou completamente os madrilenhos, que passaram a ser cada vez mais acuados pelos tricolores. Pouco tempo em seguida, Benê entrou livre dentro da área e foi calçado por trás por um zagueiro espanhol; vergonhosamente, o juiz nada dá. O domínio do São Paulo foi absoluto até o final do jogo, com o terceiro gol não saindo devido às muitas faltas cometidas pelos espanhóis, algumas delas muito violentas. Partida encerrada e os torcedores venezuelanos novamente invadem o campo, só que dessa vez para celebrar com o time são-paulino, encantados que ficaram com a exibição dos tricolores. Um momento de alegria na conturbada vida do povo de Caracas.
Dentro de um espaço de poucos meses, o São Paulo derrotou o Peñarol, campeão mundial interclubes de 61 (num amistoso em Montevidéu); Santos, campeão mundial interclubes de 62, e agora o Real, campeão mundial interclubes de 60. Essa façanha levou Thomaz Mazzoni, célebre jornalista de A Gazeta Esportiva, a escrever que o São Paulo, se quisesse, poderia colocar mais três estrelas sobre seu escudo. Quer saber: que Real Madrid que nada, o verdadeiro time do século é o São Paulo!
Mas, afinal, o que era essa Pequena Taça do Mundo? Em meados das décadas de 50 e 60, a competição era considerada uma coqueluche do futebol internacional. Foi uma espécie de predecessora do Mundial Interclubes, tamanho o interesse que despertava nos grandes clubes europeus e sul-americanos. Ao longo da história vários clubes expressivos tiveram o privilégio de disputá-la: os espanhóis Real Madrid, Barcelona, Valencia, La Coruña, Sevilla e Zaragoza; os portugueses Porto, Benfica e Sporting; os italianos Roma e Lazio; o inglês Chelsea; o alemão Werder Bremen; o uruguaio Nacional e o argentino River Plate. Os clubes brasileiros também deram o ar de sua graça na disputa, como Corinthians, Santos, Vasco e Botafogo. Na edição de 1955, num quadrangular que envolveu Benfica, Valencia e o venezuelano La Salle, o São Paulo conquistou pela primeira vez o prestigioso caneco.
Em 1963, Porto e Real Madrid fariam companhia ao São Paulo no torneio. Os merengues ostentavam o maior esquadrão de sua história. Para se ter uma idéia do poderio da equipe, a FIFA, na virada do milênio, promoveu uma enquete entre jornalistas, técnicos e ex-jogadores que apontou este time como o maior do século, superando inclusive o Santos de Pelé.
Base da seleção espanhola campeã da Copa Européia de seleções em 1964, a equipe ainda tinha Ferenk Puskas, húngaro, lendário capitão e craque do fantástico escrete magiar que encantou o mundo na Copa de 54; e Alfredo Di Stéfano, argentino, para muitos o melhor jogador de seu país em todas as épocas, superior até a Maradona. A constelação também contava com craques como o brasileiro Evaristo de Macedo e os espanhóis Gento e Amâncio. Por todos esses foras-de-série o natural seria que a taça tomasse o rumo do Santiago Bernabeu.
A grande ameaça à competição, contudo, não vinha de dentro do campo, mas de fora dele. É que em 1963, a Venezuela, assim como todos os países da América Latina, vivia um período turbulento, de profunda agitação sócio-política; afinal, era um tempo de conflitos ideológicos, da Guerra Fria, e a Venezuela era um país estrategicamente muito importante em virtude de sua localização geográfica e de suas inesgotáveis jazidas de petróleo e gás natural (era o maior exportador do mundo à época).
A história do país sempre foi marcada por sucessivos golpes de estado e longos períodos de regimes de exceção. Em 1959, logo após um desses golpes, Rómulo Gallegos foi eleito presidente. Três anos depois, no interior do país, começou a eclodir vários movimentos guerrilheiros de esquerda, inspirados na Revolução Cubana. O governo venezuelano, então, acusou Cuba de financiar essas guerrilhas e rompeu relações diplomáticas com Havana, além de passar a apoiar o embargo econômico norte-americano à ilha. No ano seguinte, na tentativa de combater as guerrilhas, o governo decretou estado de sítio e suspendeu todas as garantias constitucionais. Era com esse clima de tensão que a Pequena Taça do Mundo seria disputada.
No primeiro jogo do triangular, o Real Madrid venceu o Porto por 2 tentos a 1. Na partida seguinte, foi a vez do São Paulo jogar - e ganhar - da equipe portuguesa, também por 2 a 1, com dois gols anotados pelo paraguaio Cecílio Martinez. O terceiro e decisivo jogo seria entre as estrelas do Real contra os limitados mas embalados são-paulinos. O São Paulo teria um desfalque importante. Pagão, contundido, não estava em condições de jogo. O Real também jogaria sem um de seus principais jogadores, só que por um motivo para lá de insólito.
Às vésperas do jogo, membros da organização clandestina de extrema esquerda denominada Frente de Libertação Nacional (FALN), fazendo-se passar por policiais, invadiram o Hotel Potomac, onde a delegação madrilenha estava hospedada, e seqüestraram Di Stéfano, com o objetivo de chamar a atenção do mundo para a causa do grupo. A grande ironia dessa história é que três anos antes o astro argentino participou de um filme na Espanha onde fazia o papel de um...refém de seqüestro! Em tempo: Di Stéfano foi libertado três dias depois, são e salvo. Mas a mesma Frente de Libertação Nacional ainda aprontaria mais uma confusão.
Começado o jogo e o São Paulo já foi partindo pra cima, sem se importar com o rosário de craques que desfilava pelo time adversário. Aos 12 minutos, Benê pega uma bola na altura do meio-campo e arranca rumo ao campo rival, só sendo parado junto à bandeirinha de escanteio, pelo lado direito do ataque, em falta cometida por Casado. Na cobrança, Faustino chuta a bola forte e rasteira, toca nos calcanhares do médio francês Muller e entra, 1 a 0. Oito minutos depois, na única chance de gol concreta do Real, Puskas faz bonita jogada e serve a Evaristo, que empata, 1 a 1.
Fim do primeiro tempo, princípio de novo tumulto em Caracas. Os integrantes da FALN invadiram o estádio, tentando pular a grade de ferro que circundava o campo, atiraram bombas e deram tiros contra os espectadores, que, apavorados, adentraram o gramado para se proteger do fogo cruzado. Os policiais intervieram e o pandemônio aumentou, com mais disparos em direção às arquibancadas. Só um milagre explica o fato de ninguém ter morrido ou se ferido mais gravemente.
40 minutos depois, já com a ordem restabelecida, deu-se início ao segundo tempo, novamente com o tricolor buscando mais o gol. Eram jogados 14 minutos quando Benê foi lançado em profundidade e saiu na cara do goleiro. Para evitar o gol, Araquistain saiu de sua área e fez falta no avante tricolor. Nondas, que acabara de entrar no lugar de Cecílio Martinez, cobra a infração violentamente; a bola ainda pega numa das balizas antes de entrar, 2 a 1.
O segundo gol desnorteou completamente os madrilenhos, que passaram a ser cada vez mais acuados pelos tricolores. Pouco tempo em seguida, Benê entrou livre dentro da área e foi calçado por trás por um zagueiro espanhol; vergonhosamente, o juiz nada dá. O domínio do São Paulo foi absoluto até o final do jogo, com o terceiro gol não saindo devido às muitas faltas cometidas pelos espanhóis, algumas delas muito violentas. Partida encerrada e os torcedores venezuelanos novamente invadem o campo, só que dessa vez para celebrar com o time são-paulino, encantados que ficaram com a exibição dos tricolores. Um momento de alegria na conturbada vida do povo de Caracas.
Dentro de um espaço de poucos meses, o São Paulo derrotou o Peñarol, campeão mundial interclubes de 61 (num amistoso em Montevidéu); Santos, campeão mundial interclubes de 62, e agora o Real, campeão mundial interclubes de 60. Essa façanha levou Thomaz Mazzoni, célebre jornalista de A Gazeta Esportiva, a escrever que o São Paulo, se quisesse, poderia colocar mais três estrelas sobre seu escudo. Quer saber: que Real Madrid que nada, o verdadeiro time do século é o São Paulo!
O São Paulo pode não ter cessado uma guerra, como fez o Santos de Pelé na África, todavia, esteve ao meio de uma...
agora só falta os anti são paulinos disserem que o grupo terrorista era financiado pelo SPFC para desestabilizar o real hehehehehe
ResponderExcluirergio Basilio, Osasco, SP
Só não entendi a parte "poderia colocar mais TRÊS estrelas". Não seria "poderia colocar mais UMA estrela"?
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