Rubens Ulhoa Cintra para o Globo Esportivo, do Rio de Janeiro, de 10 de
outubro de 1941
O São Paulo Futebol Clube é um
caso único na história do futebol. A afirmativa pode parecer ousada, mas não
temos dúvidas em formulá-la. Não conhecemos outro caso como o do Tricolor Paulistano, ou melhor, como o do público que apoia e acompanha esse clube.
A “torcida” do São Paulo é a
melhor, a mais notável e extraordinária que conhecemos. Não acreditamos que
exista outra tão entusiasta, tão valorosa, tão fiel, tão conformada. Dá tudo ao
“seu” São Paulo F. C. e recebe muito pouco, quase nada. Acompanha o clube em
todos os seus compromissos sofre com os seus reveses, briga, exalta-se. As
outras “torcidas” também são assim, mas essas têm a compensação de grandes
vitórias e de campeonatos ganhos, mas o São Paulo ainda não pôde dar ao seu
público a imensa satisfação de um título de campeão. Todos os anos a “torcida”
tricolor espera que o seu clube ganhe o campeonato, mas até hoje essa conquista
não foi possível. Contenta-se então com colocações mais modestas, mas não se
revolta, não protesta, espera sempre. Os seus jogadores, mesmo os mais
modestos, os de menores recursos técnicos, são apoiados e aplaudidos. Os mais
fracos jogadores do São Paulo, para os seus partidários, são superiores a todos
os “ases” dos outros clubes.
Para que se dê o justo valor à
“torcida” tricolor é preciso que se diga o que é o São Paulo F. C. Esse clube não
possui campo próprio, não podendo, portanto, dar facilidades aos seus sócios,
que não dispõem de um local para a sua recreação, de uma praça esportiva onde
praticar outros esportes. A própria sede do clube é acanhada para o grande
número de associados que possui. O São Paulo não oferece assim quase nada aos
seus partidários. Os que o querem gostam do clube apenas por gostar, sem
exigir, sem esperar qualquer retribuição. São tricolores porque o querem ser,
por convicção, por entusiasmo, pela atração poderosa do nome do clube.
O São Paulo só oferece aos seus
associados e admiradores os seus jogos. E todos os domingos já está a sua fiel
“torcida”, gritando e vivando os seus favoritos. Antes do início das partidas,
em coro chama pelo nome cada um dos jogadores que vão defender a camiseta das
três cores, aplaudindo com calor todos os componentes da equipe. Durante o jogo
os “torcedores” do São Paulo são os mais entusiastas, os mais barulhentos, os
que mais se fazem notar. O “placar” não exerce a menor influência sobre o
ânimo dessa gente. O quadro é aplaudido sempre, esteja ganhando ou perdendo. Se
a vitória sorri ao São Paulo a sua “torcida” torna-se impossível, desorienta os
rivais, sufoca com os seus gritos e aplausos o público do adversário. E quando
as coisas não correm bem, não se diminui, não deixa de aproveitar todas as
oportunidades para animar os seus favoritos, não rasga as suas carteiras. O
“fan” tricolor sente a derrota, sentirá talvez mais do que todos, pois é mais
vibrante e entusiasta do que todos, mas não se envergonha do seu clube. Atribui
a derrota ao juiz, à violência dos contrários, à “chance”, porquê o seu quadro,
mesmo batido, continua a ser o melhor do mundo.
Uma “torcida” como essa é
realmente admirável. Apesar dos seus excessos é digna de consideração e de
simpatia, pela sua fé inabalável no clube que escolheu para o seu favoritismo.
Durante muito tempo o São Paulo foi conhecido como o “Clube da fé”. Na verdade,
não possuía muito mais do que isso, mas essa fé sustentou o clube nos momentos
mais difíceis, deu-lhe forças para resistir, anima esses partidários vibrantes
e apaixonados.
Os “fans” do São Paulo esperam
sempre que o seu clube lhes dê a suprema ventura de conquistar o campeonato
paulista. Em 1931, o São Paulo F. C. ganhou o título, mas os afeiçoados de hoje
consideram tão pouco essa conquista como se fora do Corinthians ou do Palestra.
O campeão de 31 foi o outro São Paulo, o São Paulo nobre e fidalgo da Floresta,
que nada tem que ver com o São Paulo popular de hoje, com o São Paulo que nada
possui, a não ser essa “torcida” extraordinária. O público tricolor que dá
quase sempre as maiores rendas do campeonato paulista, mesmo não intervindo o
São Paulo na luta direta pela posse do título, merece essa satisfação que
espera há tanto tempo. O São Paulo F. C., mais do que qualquer outro clube,
precisa ganhar um campeonato, tem necessidade de conquistar um título. No dia
em que o São Paulo for campeão!... Hoje, com uma equipe que nem sempre
corresponde ao que dela se espera, sem campo, com uma sede modesta, o São Paulo
é uma potência. Nenhum clube precisa, como o São Paulo, de um título de
campeão. Os outros querem ser campeões para satisfazer a sua “torcida”,
poderemos dizer que querem o título por vaidade, mas o São Paulo precisa do
campeonato por uma necessidade premente, para poder subsistir, pois a sua
situação não poderá continuar assim indefinidamente. Um dia esse seu público
poderá ficar cansado, aborrecer-se de não ter campo, de só possuir uma sede
pequena, de não poder dizer que o seu clube é campeão. O título, para o São
Paulo, adquire assim uma importância extraordinária, muito maior do que
representa para os demais.
No dia em que o São Paulo for
campeão!... Nesse dia o Tricolor terá se transformado, real e efetivamente, na
maior força do futebol de São Paulo. Nesse dia o clube das três cores terá um
estádio grandioso, digno do seu nome e da sua popularidade, terá uma sede ampla
e confortável, terá tudo aquilo com que sonha agora a sua “torcida”.
O Tricolor pouco a pouco se
encaminha para essa meta. OS resultados dos seus esforços aparecem cada vez
mais evidentes. O quadro sabe que precisa ser campeão, para que a sua “torcida”
não venha a desanimar. Se isso chegar a suceder, o São Paulo não morrerá, mas
passará a ser um desses clubes que disputam os campeonatos por disputar,
sabendo de antemão que lhes está vedado o acesso ao título e às principais
colocações. No ano passado o Tricolor se colocou em sexto lugar. No atual
certamente, na pior das hipóteses, será o terceiro colocado. O seu grande sonho
não se realizará em 1941, mas poderá ser realidade em 1942... Será esse o ano
do São Paulo F. C.?... Deveria ser, para bem do futebol bandeirante e para
satisfação dessa “torcida” que é a mais barulhenta, a mais entusiasta, a mais
violenta, a mais irritante de todas, mas que, mesmo assim, é a mais admirável.
Os jogadores do São Paulo, embora profissionais, são homens, têm alma e
sentimento. E quanto não dariam eles para levantar o campeonato! Não por eles,
embora o título lhes significasse muito, mas pelo seu público, pela “torcida”.
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