Em memória (21 de abril de 2006)
Lições de um "mestre" inesquecível
Simples, honesto, exigente e dono de um grande coração. TELÊ SANTANA é descrito assim por Carlos Caboclo, amigo que o conduziu ao clube do Morumbi em 1990
Por Fernando Savaglia, para a Revista Oficial do São Paulo #132.
Telê Santana marcou a história do futebol. Seu nome sempre estará ligado a aquilo que o esporte oferece de mais belo. Adepto do espetáculo, não fazia concessões a nada que contrariasse a ética desportiva. Tinha gosto por conquistar títulos e, ao longo da carreira, provou ser vencedor. Mas, numa modalidade muitas vezes marcada pela idéia obsessiva da vitória, independentemente dos meios utilizados para conseguí-la, Telê permaneceu fiel a seus ideais e sua obstinada busca pela lealdade dentro dos campos.
Homem de personalidade forte e humor inconstante, é reverenciado no mundo todo por ser um dos maiores técnicos de todos os tempos. Ninguém foi tão genial ao ensinar a complexa arte da simplicidade quanto ele. Não é à toda que o chamavam de "Mestre". Soube, afinal, passar a seus comandados os fundamentos do jogo, além de extrair deles o que cada um tinha de melhor.
Hoje, os supertimes do passado são lembrados por meio de referências, como o Santos de Pelé, a Hungria de Puskas, o Flamengo de Zico e o Real Madrid de Di Stéfano. O Tricolor do início dos anos 90, apesar da presença em massa de inúmeros craques, ficou conhecido como o "São Paulo de Telê". Isso por conta da simbiose dele com a filosofia do clube, da influência que exercia sobre o plantel e do reconhecimento que conseguiu da torcida. Tão relevante quanto esse dado é a constatação de que, embora não tenha vencido nenhuma das duas Copas em que esteve à frente da seleção brasileira, em 1982 e 1986, seu nome aparece na boca de inúmeros especialistas como o maior treinador que o Brasil já teve.
Mas, afinal, quem foi o homem que dirigiu uma das mais vitoriosas equipes do futebol brasileiro de todos os tempos?
A primeira passagem
Carlos Alberto de Mello Caboclo, amigo íntimo do ex-técnico e hoje diretor de Relações Internacionais do Tricolor, conheceu Telê em 1973 durante a primeira passagem do treinador pelo Morumbi. Diretor das categorias de base do clube na época, Caboclo teve participação significativa na vida profissional e pessoal do colega mineiro.
Embora já consagrado, Telê não foi feliz no São Paulo daqueles tempos. Contratado para substituir o argentinho José Poy, encontrou um elenco experiente, mas, segundo suas observações, condicionado a jogar de uma única maneira: no contra-ataque. "Não posso imaginar o São Paulo jogando como um time pequeno", dizia naquela década. "Se um esquema defensivo trouxe vitórias, isso foi há três anos".
Aos poucos, a relação de Telê com o grupo foi se desgastando. "Um dia, ele me confidenciou que gostaria de promover uma grande reformulação, contando com vários garotos das categorias de base", relata Caboclo. "Do plantel profissional, aproveitaria, no máximo, quatro jogadores".
A diretoria não se empolgou com a reformulação proposta. A corda acabou estourando para o lado do técnico. Por conta da relação que tinha com Telê, Caboclo foi incumbido de acompanhá-lo na sua despedida do clube. "Falei-lhe que o achava um excelente profissional e que, em breve, o veria treinando a seleção brasileira", recorda-se. "Ele respondeu dizendo que eu deveria estar brincando, pois, naquele exato momento, ele estava desempregado".
Poucas pessoas sabem que o primeiro contato de Telê com a seleção ocorreu em meados dos anos 70. Ainda que por um único dia, Carlos Caboclo o indicou a Oswaldo Brandão, então comandante do escrete nacional, que, em virtude de um compromisso em São Paulo, precisava de alguém para substituí-lo num coletivo que daria ao selecionado em Belo Horizonte, Minas Gerais. Naquele dia, ele sentiu levemente o gosto de conduzir o Brasil. Mesmo sendo responsável por aquela que é uma das melhores seleções de futebol de todos os tempos, a de 1982, Telê, por causa da desclassificação dos Mundiais daquele ano e de 1986, recebeu o rótulo de pé-frio.
[Mais sobre a primeira passagem de Telê no São Paulo (e de sua desavença/ou mal-entendido com os jogadores) é possível encontrar no belo livro de Fábio Matos: Dias, A vida do maior jogador do São Paulo nos anos 1960 e na biografia escrita por André Ribeiro: Fio de Esperança].
O Retorno do Mestre
Por causa de uma campanha ruim no Campeonato Paulista de 1990, a diretoria Tricolor queria o retorno do Mestre quase 20 anos depois da primeira estada dele no Morumbi. Um dos maiores articuladores dessa volta foi Carlos Caboclo. "Conversei muito com ele e os diretores do São Paulo. Disse-lhes que, apesar da fase que o clube atravessava não ser das melhores, achava que, se somássemos a competência de Telê com a estrutura do São Paulo, poderíamos ter ótimos resultados".
Telê, porém, gostava de pensar várias vezes antes de tomar uma decisão. Depois de uma, até certo ponto, complexa negociação, veio do Rio de Janeiro, onde residia, para encontrar-se com o dirigente são-paulino. Que narra: "Naquele fim de tarde, fomos conhecer o CCT da Barra Funda. Ele entrou no gramado encharcado, andou de um lado para o outro, ficou em silêncio alguns instantes e, finalmente, aceitou". Para começar a trabalhar, fez pouquíssimos pedidos. "Nos primeiros meses, disse que moraria no próprio CT e, a cada título que disputasse, seu salário seria aumentado".
Sua fama de rabugento ficou famosa entre os atletas, imprensa e árbitros. No entanto, as broncas que aplicava nos jogadores, segundo Caboclo, carregavam uma única intenção. Queria que todos se aperfeiçoassem. Era exigente e não admitia que ninguém falasse mal de pessoas do plantel em sua frente. Telê era franco e direto, afora isso tinha um coração enorme. "Mas, se alguém levantasse a voz com ele, ficava sentido. Era muito sensível", ressalta Caboclo, que foi testemunha por várias vezes da emotividade do técnico.
O dirigente recorda-se de uma vez em que, durante um almoço próximo à escola que se localiza na parte social do clube, Telê foi consolar um garoto de 5 anos que chorava sem parar. "Mas ele terminou chorando junto com o menino". De acordo com Caboclo, Telê voltou no dia seguinte para ver se estava tudo bem com a criança, que abriu-lhe um sorriso e o cumprimentou acenando. "Aquilo foi suficiente para torná-lo o homem mais feliz do mundo naquele momento".
Exigências
Em 1992, uma passagem mostrou o quanto Telê se preocupava com os homens que comandava em campo. Depois de voltar do Japão com o primeiro título mundial, o São Paulo disputaria outro [título]. O time teria pela frente o Palmeiras na final do Campeonato Paulista. Na ocasião, o treinador confidenciou ao amigo que não tinha o que fazer. Pois, após uma longa viagem e das comemorações, não poderia exigir nada dos "meninos". "A única coisa que posso fazer-lhes é dar liberdade para que não joguem ou fiquem no banco", disse o Mestre.
Para sua felicidade, mesmo extenuados, todos os titulares atuaram naquela tarde e garantiram mais um troféu ao Tricolor. "São atitudes como essa que provam que, apesar da fama de durão e de ficar em cima dos jogadores, também era humano e humilde", opina Caboclo. Existem muitas histórias divertidas sobre Telê. Uma delas diz respeito a seu horror a gastar dinheiro. Caboclo revela que, sempre que saía para almoçar com o amigo, pagava a conta. Chegou a passar por algumas situações inusitadas, como a que relata a seguir: "Estávamos num restaurante e fui ao banheiro. Na volta, encontrei um conhecido e fiquei conversando", recorda-se. "Como demorei, começaram a fechar o estabelecimento. Para me certificar, perguntei ao garçom se a conta estava paga. O rapaz disse que não", narra Caboclo, que arremata divertindo-se: "Seu Telê falou que o senhor pagaria (risos)".
Afora ser excelente treinador, Telê destacava-se em outros dois ramos. Era bom tanto contando anedotas quanto fazendo palestras. "Discorria bem sobre vendas, marketing, liderança ou incentivo", aponta Caboclo. "Sempre era aplaudido de pé. Era um dom que possuía". Mesmo após seu afastamento do futebol em virtude de problemas de saúde, o Mestre gostava de acompanhar o time pela TV e guardava um desejo. "Pouco antes de seu falecimento, estive com ele, que me disse ainda ter vontade de voltar a treinar o São Paulo".
Seria impossível Telê esconder sua identificação com o clube do Morumbi e vice-versa. "Os dirigentes Marcelo Portugal Gouvêa e Juvenal Juvêncio, sabendo de minha proximidade com o Telê, me incumbiram de representar o São Paulo perante sua família, colocando o clube a disposição para tudo o que precisassem", explica Caboclo, que gosta de definir o amigo como um homem simples, honesto e que tinha, no futebol, a grande paixão de sua vida.
Eterno
Técnico mais idolatrado na história do São Paulo, TELÊ SANTANA construiu uma trajetória que o põe entre os grandes gênios do futebol de todos os tempos
Por Eduardo Marques, para a Revista Oficial do São Paulo #132.
Em 1985, em 21 de abril, feriado de Tiradentes, morreu de infecção generalizada o político mineiro Tancredo de Almeida Neves, que, pouco antes, havia sido eleito presidente do Brasil. Exatos 21 anos depois, partiu outro ilustre conterrâneo: Telê Santana da Silva, aos 74 anos, vítima de falência múltipla dos órgãos, em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais. Os apreciadores do futebol-arte jamais se esquecerão dessa data, na qual o mundo despediu-se de um dos melhores comandantes da seleção brasileira e, sem dúvida, do maior técnico de todos os tempos do São Paulo. Persistente em recuperar o brilho que consagrou mundialmente o futebol do País, Telê demonstrou na prática que uma equipe refinada e disciplinada pode ser competitiva, admirada e vitoriosa.
Antes de vestir a tradicional camisa vermelha de "professor", usar o boné e o apito, o mineiro de Itabirito, nascido em 26 de julho de 1931, mostrou que entendia, e muito, do assunto. Debutou no esporte que mais adorava com 14 anos, no Itabiritense. Atuou em seguida pelo América de São José del Rey (MG), mas foi no juvenil do Fluminense do Rio de Janeiro que conquistou o primeiro título marcante: o Carioca de 1950. Lançado no ano seguinte no time principal, não decepcionou. Marcou os dois gols do Tricolor carioca na vitória sobre o Bangu e ergueu a taça estadual ao lado de gigantes como Castilho e Didi. Ponta-direita veloz e de técnica diferenciada, inteligente do ponto de vista tático e insistente marcador, em pouco tempo Telê ficou conhecido graças a seu porte físico - era bem magro -, sua perseverança e aplicação, como Fio de Esperança.
Com anos de atuação pelo clube das Laranjeiras, entrou para a galeria dos inesquecíveis goleadores da agremiação. No início deste século, em uma votação promovida pela revista Placar, especialistas o elegeram um dos cinco maiores jogadores da história do clube. Antes de parar de jogar, em 1965, Telê ainda envergou as camisas de Guarani, Madureira e Vasco. Como jogador, não disputou Copa do Mundo. Em sua época, a posição dele no time brasileiro tinha dono: Garrincha.
Telê assumiu as categorias de base do Fluminense em 1967. Passou a treinar os profissionais em 1969, conquistando o Campeonato Carioca. Um ano depois, no Atlético-MG, foi campeão estadual. Embalado pela série de conquistas, em 1971 levou o esquadrão alvinegro de Dadá Maravilha ao primeiro título brasileiro, o mais importante do Galo até hoje. Ainda na década de 1970, Telê venceu mais um estadual. Sob sua batuta em 1977, o Grêmio quebrou uma série de títulos consecutivos do rival Internacional. Entre tantos presentes de gremistas pelo título gaúcho, o treinador ganhou um Passat TS. A preocupação dele ao receber o presente era saber se o carro vinha com o tanque cheio, uma alusão ao seu pão-durismo.
Novo Desafio
A destacável carreira o levou ao comando da seleção brasileira. Aceitou o desafio em 1980 e classificou o Brasil para a Copa da Espanha, em 1982. Foi, aliás, a mais admirada e competitiva desde o tricampeonato mundial, em 1970. Apesar de impressionar o planeta com um futebol envolvente, o plantel de Telê, formado por Waldir Peres, Oscar, Júnior, Sócrates, Falcão, Zico e Serginho, entre outros, sucumbiu à Itália de Paolo Rossi. Telê terminou deixando o posto. Seguiu para o Oriente Médio, onde conquistou com o Al-Ahli o Campeonato Árabe, a Copa do Rei e a Copa do Golfo.
Descontentes com algumas experiências, os dirigentes brasileiros recorreram mais uma vez a ele. De volta, Telê levou da equipe de 1982 para a Copa do México, em 1986, os badalados Júnior, Zico e Sócrates. Em cinco partidas o time fez dez gols e tomou apenas um, de Michel Platini, no empate da França com o Brasil no tempo normal, pelas quartas-de-final. Na disputa por pênaltis, os franceses foram mais felizes. O sonho do tetra com Telê foi adiado.
Nos anos seguintes, críticas injustas e maldosas de alguns cronistas esportivos e boleiros quase desestabilizaram o técnico. Rotularam-no de "pé-frio". No entanto, ele seguiu. Foi campeão mineiro com o Atlético, em 1988, e um ano depois, conquistou a Taça Guanabara com o Flamengo. A grande resposta aos ferrenhos críticos, porém, veio na década seguinte.
Telê chegou ao Morumbi em 1990, quando conheceu e preparou uma safra de atletas para futuras competições. No primeiro desafio, o título brasileiro escapou. Ficou com o Corinthians. Mas, a partir do ano seguinte, ele ajudou a escrever um brilhantes capítulo da história do São Paulo Futebol Clube. Que ganhou tudo sob seu comando. Em 1991, o Tricolor conquistou o tricampeonato brasileiro, superando o Bragantino. Carregado por são-paulinos eufóricos, ele desabafava: "Cadê o pé-frio? Onde está o pé-frio?"
No mesmo ano, abocanhou o Paulistão, batendo com maestria o Corinthians. Telê, contudo, não deixou de criticar a violência no esporte, exigir qualidade nos gramados (com a famosa mania de "experimentar" a grama), contestar a aplicação das regras por alguns árbitros e trabalhar para que o futebol brasileiro reencontrasse a confiança e exaltasse seu diferencial. Ele dedicou-se integralmente ao São Paulo, foi um "paizão" para dezenas de atletas, ganhou o apoio de milhares de são-paulinos e recolocou o futebol brasileiro no seu devido lugar. Rogério Ceni, atual capitão tricolor, não esconde que aprendeu com Telê "o melhor jeito de bater na bola".
Rota Internacional
Há quase uma década, os clubes brasileiros sentiam falta de uma conquista internacional expressiva. As últimas haviam acontecido em 1983, quando o Grêmio de Renato Gaúcho foi campeão da América e do mundo. Mas o São Paulo de 1992, sob o comando de Telê, bateu o Newell's Old Boys no tempo normal e na disputa por pênaltis, levantando, pela primeira vez, a Taça Libertadores da América. Ainda naquele ano, o São Paulo venceu o Barcelona por 4 a 1 na final do Troféu Tereza Herrera e o Real Madrid por 4 a 0 na decisão do Ramón de Carranza, torneios ocorridos na Espanha. No fim de 1992, em Tóquio, no Japão, num jogo espetacular, o Tricolor voltou a derrotar o Barcelona por 2 a 1. Foram dois golaços de Raí. Dez anos depois da derrota da encantadora seleção na Copa da Espanha, Telê finalmente conseguiu um título mundial.
Com muita competência, o clube do Morumbi repetiu a dose em 1993. Sagrou-se bicampeão da Libertadores da América diante dos chilenos do Universidad Católica, no Chile, e conquistou outros títulos importantes, como a Supercopa e a Recopa. De volta ao Japão, Telê e seus "alunos" garantiram a segunda estrela vermelha na camisa são-paulina. Foi uma vitória incontestável sobre o Milan por 3 a 2.
O Vélez Sarsfield, da Argentina, levou a Libertadores de 1994 nos pênaltis, em pleno Morumbi, mas, na mesma temporada, o time de Telê faturou a Recopa e a Conmebol. A última das 22 conquistas dele com o São Paulo foi a Copa de Clubes Brasileiros Campeões Mundiais em 1995. A propósito, em 29 de abril de 2006, antes de golear o Santa Cruz por 4 a 0 pelo Brasileirão, o atual elenco do São Paulo homenageou o treinador, vestindo camisas pretas com o número 22 nas costas - referente aos títulos dele no clube - e a frase Telê Eterno.
Com as glórias na década de 1990, ele foi chamdo de Grande Mestre por torcedores e jogadores. Suas lições se transformaram em exemplos para uma nova fase do futebol, coincidentemente quando o País obteve conquistas históricas com a seleção e outros clubes. Além disso, o talento do jogador brasileiro voltou a ter o devido respeito.
Em 1996, um acidente vascular cerebral comprometeu seus movimentos e o impediu de continuar trabalhando. Mestre Telê retirou-se do cenário futebolístico para cuidar da saúde. Nos últimos dez anos de vida, a família sempre esteve ao lado dele. E, em 2000, foi publicada a biografia de Telê: Fio de Esperança, escrita pelo jornalista André Ribeiro. No prefácio, Juca Kfouri sintetiza: "Ele fez Sócrates e Raí, irmãoes e ídolos no futebol, na base da conversa, jogarem sob seu comando como jamais jogaram nem antes nem depois".
Telê acompanhou pela televisão as finais da Libertadores e do Mundial de Clubes de 2005 que coroaram o Tricolor. Chegou a se emocionar-se com as conquistas e as homenagens recebidas com bandeiras e frases do tipo: "Telê Eterno" e "Olê, olê, olê, olê, Telê, Telê", coro, aliás, sob o qual foi sepultado no dia 22 de abril, em Belo Horizonte. Enquanto o caixão descia com o corpo de Telê, seu filho, Renê, fazia uma emocionante despedida: "Vai com Deus, pai. Vai em paz. Descanse tranqüilo, porque sua missão aqui está cumprida".
Agradecimentos ao Jorge M.
Simples, honesto, exigente e dono de um grande coração. TELÊ SANTANA é descrito assim por Carlos Caboclo, amigo que o conduziu ao clube do Morumbi em 1990
Por Fernando Savaglia, para a Revista Oficial do São Paulo #132.
Telê Santana marcou a história do futebol. Seu nome sempre estará ligado a aquilo que o esporte oferece de mais belo. Adepto do espetáculo, não fazia concessões a nada que contrariasse a ética desportiva. Tinha gosto por conquistar títulos e, ao longo da carreira, provou ser vencedor. Mas, numa modalidade muitas vezes marcada pela idéia obsessiva da vitória, independentemente dos meios utilizados para conseguí-la, Telê permaneceu fiel a seus ideais e sua obstinada busca pela lealdade dentro dos campos.
Homem de personalidade forte e humor inconstante, é reverenciado no mundo todo por ser um dos maiores técnicos de todos os tempos. Ninguém foi tão genial ao ensinar a complexa arte da simplicidade quanto ele. Não é à toda que o chamavam de "Mestre". Soube, afinal, passar a seus comandados os fundamentos do jogo, além de extrair deles o que cada um tinha de melhor.
Hoje, os supertimes do passado são lembrados por meio de referências, como o Santos de Pelé, a Hungria de Puskas, o Flamengo de Zico e o Real Madrid de Di Stéfano. O Tricolor do início dos anos 90, apesar da presença em massa de inúmeros craques, ficou conhecido como o "São Paulo de Telê". Isso por conta da simbiose dele com a filosofia do clube, da influência que exercia sobre o plantel e do reconhecimento que conseguiu da torcida. Tão relevante quanto esse dado é a constatação de que, embora não tenha vencido nenhuma das duas Copas em que esteve à frente da seleção brasileira, em 1982 e 1986, seu nome aparece na boca de inúmeros especialistas como o maior treinador que o Brasil já teve.
Mas, afinal, quem foi o homem que dirigiu uma das mais vitoriosas equipes do futebol brasileiro de todos os tempos?
A primeira passagem
Carlos Alberto de Mello Caboclo, amigo íntimo do ex-técnico e hoje diretor de Relações Internacionais do Tricolor, conheceu Telê em 1973 durante a primeira passagem do treinador pelo Morumbi. Diretor das categorias de base do clube na época, Caboclo teve participação significativa na vida profissional e pessoal do colega mineiro.
Embora já consagrado, Telê não foi feliz no São Paulo daqueles tempos. Contratado para substituir o argentinho José Poy, encontrou um elenco experiente, mas, segundo suas observações, condicionado a jogar de uma única maneira: no contra-ataque. "Não posso imaginar o São Paulo jogando como um time pequeno", dizia naquela década. "Se um esquema defensivo trouxe vitórias, isso foi há três anos".
Aos poucos, a relação de Telê com o grupo foi se desgastando. "Um dia, ele me confidenciou que gostaria de promover uma grande reformulação, contando com vários garotos das categorias de base", relata Caboclo. "Do plantel profissional, aproveitaria, no máximo, quatro jogadores".
A diretoria não se empolgou com a reformulação proposta. A corda acabou estourando para o lado do técnico. Por conta da relação que tinha com Telê, Caboclo foi incumbido de acompanhá-lo na sua despedida do clube. "Falei-lhe que o achava um excelente profissional e que, em breve, o veria treinando a seleção brasileira", recorda-se. "Ele respondeu dizendo que eu deveria estar brincando, pois, naquele exato momento, ele estava desempregado".
Poucas pessoas sabem que o primeiro contato de Telê com a seleção ocorreu em meados dos anos 70. Ainda que por um único dia, Carlos Caboclo o indicou a Oswaldo Brandão, então comandante do escrete nacional, que, em virtude de um compromisso em São Paulo, precisava de alguém para substituí-lo num coletivo que daria ao selecionado em Belo Horizonte, Minas Gerais. Naquele dia, ele sentiu levemente o gosto de conduzir o Brasil. Mesmo sendo responsável por aquela que é uma das melhores seleções de futebol de todos os tempos, a de 1982, Telê, por causa da desclassificação dos Mundiais daquele ano e de 1986, recebeu o rótulo de pé-frio.
[Mais sobre a primeira passagem de Telê no São Paulo (e de sua desavença/ou mal-entendido com os jogadores) é possível encontrar no belo livro de Fábio Matos: Dias, A vida do maior jogador do São Paulo nos anos 1960 e na biografia escrita por André Ribeiro: Fio de Esperança].
O Retorno do Mestre
Por causa de uma campanha ruim no Campeonato Paulista de 1990, a diretoria Tricolor queria o retorno do Mestre quase 20 anos depois da primeira estada dele no Morumbi. Um dos maiores articuladores dessa volta foi Carlos Caboclo. "Conversei muito com ele e os diretores do São Paulo. Disse-lhes que, apesar da fase que o clube atravessava não ser das melhores, achava que, se somássemos a competência de Telê com a estrutura do São Paulo, poderíamos ter ótimos resultados".
Telê, porém, gostava de pensar várias vezes antes de tomar uma decisão. Depois de uma, até certo ponto, complexa negociação, veio do Rio de Janeiro, onde residia, para encontrar-se com o dirigente são-paulino. Que narra: "Naquele fim de tarde, fomos conhecer o CCT da Barra Funda. Ele entrou no gramado encharcado, andou de um lado para o outro, ficou em silêncio alguns instantes e, finalmente, aceitou". Para começar a trabalhar, fez pouquíssimos pedidos. "Nos primeiros meses, disse que moraria no próprio CT e, a cada título que disputasse, seu salário seria aumentado".
Sua fama de rabugento ficou famosa entre os atletas, imprensa e árbitros. No entanto, as broncas que aplicava nos jogadores, segundo Caboclo, carregavam uma única intenção. Queria que todos se aperfeiçoassem. Era exigente e não admitia que ninguém falasse mal de pessoas do plantel em sua frente. Telê era franco e direto, afora isso tinha um coração enorme. "Mas, se alguém levantasse a voz com ele, ficava sentido. Era muito sensível", ressalta Caboclo, que foi testemunha por várias vezes da emotividade do técnico.
O dirigente recorda-se de uma vez em que, durante um almoço próximo à escola que se localiza na parte social do clube, Telê foi consolar um garoto de 5 anos que chorava sem parar. "Mas ele terminou chorando junto com o menino". De acordo com Caboclo, Telê voltou no dia seguinte para ver se estava tudo bem com a criança, que abriu-lhe um sorriso e o cumprimentou acenando. "Aquilo foi suficiente para torná-lo o homem mais feliz do mundo naquele momento".
Exigências
Em 1992, uma passagem mostrou o quanto Telê se preocupava com os homens que comandava em campo. Depois de voltar do Japão com o primeiro título mundial, o São Paulo disputaria outro [título]. O time teria pela frente o Palmeiras na final do Campeonato Paulista. Na ocasião, o treinador confidenciou ao amigo que não tinha o que fazer. Pois, após uma longa viagem e das comemorações, não poderia exigir nada dos "meninos". "A única coisa que posso fazer-lhes é dar liberdade para que não joguem ou fiquem no banco", disse o Mestre.
Para sua felicidade, mesmo extenuados, todos os titulares atuaram naquela tarde e garantiram mais um troféu ao Tricolor. "São atitudes como essa que provam que, apesar da fama de durão e de ficar em cima dos jogadores, também era humano e humilde", opina Caboclo. Existem muitas histórias divertidas sobre Telê. Uma delas diz respeito a seu horror a gastar dinheiro. Caboclo revela que, sempre que saía para almoçar com o amigo, pagava a conta. Chegou a passar por algumas situações inusitadas, como a que relata a seguir: "Estávamos num restaurante e fui ao banheiro. Na volta, encontrei um conhecido e fiquei conversando", recorda-se. "Como demorei, começaram a fechar o estabelecimento. Para me certificar, perguntei ao garçom se a conta estava paga. O rapaz disse que não", narra Caboclo, que arremata divertindo-se: "Seu Telê falou que o senhor pagaria (risos)".
Afora ser excelente treinador, Telê destacava-se em outros dois ramos. Era bom tanto contando anedotas quanto fazendo palestras. "Discorria bem sobre vendas, marketing, liderança ou incentivo", aponta Caboclo. "Sempre era aplaudido de pé. Era um dom que possuía". Mesmo após seu afastamento do futebol em virtude de problemas de saúde, o Mestre gostava de acompanhar o time pela TV e guardava um desejo. "Pouco antes de seu falecimento, estive com ele, que me disse ainda ter vontade de voltar a treinar o São Paulo".
Seria impossível Telê esconder sua identificação com o clube do Morumbi e vice-versa. "Os dirigentes Marcelo Portugal Gouvêa e Juvenal Juvêncio, sabendo de minha proximidade com o Telê, me incumbiram de representar o São Paulo perante sua família, colocando o clube a disposição para tudo o que precisassem", explica Caboclo, que gosta de definir o amigo como um homem simples, honesto e que tinha, no futebol, a grande paixão de sua vida.
Eterno
Técnico mais idolatrado na história do São Paulo, TELÊ SANTANA construiu uma trajetória que o põe entre os grandes gênios do futebol de todos os tempos
Por Eduardo Marques, para a Revista Oficial do São Paulo #132.
Em 1985, em 21 de abril, feriado de Tiradentes, morreu de infecção generalizada o político mineiro Tancredo de Almeida Neves, que, pouco antes, havia sido eleito presidente do Brasil. Exatos 21 anos depois, partiu outro ilustre conterrâneo: Telê Santana da Silva, aos 74 anos, vítima de falência múltipla dos órgãos, em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais. Os apreciadores do futebol-arte jamais se esquecerão dessa data, na qual o mundo despediu-se de um dos melhores comandantes da seleção brasileira e, sem dúvida, do maior técnico de todos os tempos do São Paulo. Persistente em recuperar o brilho que consagrou mundialmente o futebol do País, Telê demonstrou na prática que uma equipe refinada e disciplinada pode ser competitiva, admirada e vitoriosa.
Antes de vestir a tradicional camisa vermelha de "professor", usar o boné e o apito, o mineiro de Itabirito, nascido em 26 de julho de 1931, mostrou que entendia, e muito, do assunto. Debutou no esporte que mais adorava com 14 anos, no Itabiritense. Atuou em seguida pelo América de São José del Rey (MG), mas foi no juvenil do Fluminense do Rio de Janeiro que conquistou o primeiro título marcante: o Carioca de 1950. Lançado no ano seguinte no time principal, não decepcionou. Marcou os dois gols do Tricolor carioca na vitória sobre o Bangu e ergueu a taça estadual ao lado de gigantes como Castilho e Didi. Ponta-direita veloz e de técnica diferenciada, inteligente do ponto de vista tático e insistente marcador, em pouco tempo Telê ficou conhecido graças a seu porte físico - era bem magro -, sua perseverança e aplicação, como Fio de Esperança.
Com anos de atuação pelo clube das Laranjeiras, entrou para a galeria dos inesquecíveis goleadores da agremiação. No início deste século, em uma votação promovida pela revista Placar, especialistas o elegeram um dos cinco maiores jogadores da história do clube. Antes de parar de jogar, em 1965, Telê ainda envergou as camisas de Guarani, Madureira e Vasco. Como jogador, não disputou Copa do Mundo. Em sua época, a posição dele no time brasileiro tinha dono: Garrincha.
Telê assumiu as categorias de base do Fluminense em 1967. Passou a treinar os profissionais em 1969, conquistando o Campeonato Carioca. Um ano depois, no Atlético-MG, foi campeão estadual. Embalado pela série de conquistas, em 1971 levou o esquadrão alvinegro de Dadá Maravilha ao primeiro título brasileiro, o mais importante do Galo até hoje. Ainda na década de 1970, Telê venceu mais um estadual. Sob sua batuta em 1977, o Grêmio quebrou uma série de títulos consecutivos do rival Internacional. Entre tantos presentes de gremistas pelo título gaúcho, o treinador ganhou um Passat TS. A preocupação dele ao receber o presente era saber se o carro vinha com o tanque cheio, uma alusão ao seu pão-durismo.
Novo Desafio
A destacável carreira o levou ao comando da seleção brasileira. Aceitou o desafio em 1980 e classificou o Brasil para a Copa da Espanha, em 1982. Foi, aliás, a mais admirada e competitiva desde o tricampeonato mundial, em 1970. Apesar de impressionar o planeta com um futebol envolvente, o plantel de Telê, formado por Waldir Peres, Oscar, Júnior, Sócrates, Falcão, Zico e Serginho, entre outros, sucumbiu à Itália de Paolo Rossi. Telê terminou deixando o posto. Seguiu para o Oriente Médio, onde conquistou com o Al-Ahli o Campeonato Árabe, a Copa do Rei e a Copa do Golfo.
Descontentes com algumas experiências, os dirigentes brasileiros recorreram mais uma vez a ele. De volta, Telê levou da equipe de 1982 para a Copa do México, em 1986, os badalados Júnior, Zico e Sócrates. Em cinco partidas o time fez dez gols e tomou apenas um, de Michel Platini, no empate da França com o Brasil no tempo normal, pelas quartas-de-final. Na disputa por pênaltis, os franceses foram mais felizes. O sonho do tetra com Telê foi adiado.
Nos anos seguintes, críticas injustas e maldosas de alguns cronistas esportivos e boleiros quase desestabilizaram o técnico. Rotularam-no de "pé-frio". No entanto, ele seguiu. Foi campeão mineiro com o Atlético, em 1988, e um ano depois, conquistou a Taça Guanabara com o Flamengo. A grande resposta aos ferrenhos críticos, porém, veio na década seguinte.
Telê chegou ao Morumbi em 1990, quando conheceu e preparou uma safra de atletas para futuras competições. No primeiro desafio, o título brasileiro escapou. Ficou com o Corinthians. Mas, a partir do ano seguinte, ele ajudou a escrever um brilhantes capítulo da história do São Paulo Futebol Clube. Que ganhou tudo sob seu comando. Em 1991, o Tricolor conquistou o tricampeonato brasileiro, superando o Bragantino. Carregado por são-paulinos eufóricos, ele desabafava: "Cadê o pé-frio? Onde está o pé-frio?"
No mesmo ano, abocanhou o Paulistão, batendo com maestria o Corinthians. Telê, contudo, não deixou de criticar a violência no esporte, exigir qualidade nos gramados (com a famosa mania de "experimentar" a grama), contestar a aplicação das regras por alguns árbitros e trabalhar para que o futebol brasileiro reencontrasse a confiança e exaltasse seu diferencial. Ele dedicou-se integralmente ao São Paulo, foi um "paizão" para dezenas de atletas, ganhou o apoio de milhares de são-paulinos e recolocou o futebol brasileiro no seu devido lugar. Rogério Ceni, atual capitão tricolor, não esconde que aprendeu com Telê "o melhor jeito de bater na bola".
Rota Internacional
Há quase uma década, os clubes brasileiros sentiam falta de uma conquista internacional expressiva. As últimas haviam acontecido em 1983, quando o Grêmio de Renato Gaúcho foi campeão da América e do mundo. Mas o São Paulo de 1992, sob o comando de Telê, bateu o Newell's Old Boys no tempo normal e na disputa por pênaltis, levantando, pela primeira vez, a Taça Libertadores da América. Ainda naquele ano, o São Paulo venceu o Barcelona por 4 a 1 na final do Troféu Tereza Herrera e o Real Madrid por 4 a 0 na decisão do Ramón de Carranza, torneios ocorridos na Espanha. No fim de 1992, em Tóquio, no Japão, num jogo espetacular, o Tricolor voltou a derrotar o Barcelona por 2 a 1. Foram dois golaços de Raí. Dez anos depois da derrota da encantadora seleção na Copa da Espanha, Telê finalmente conseguiu um título mundial.
Com muita competência, o clube do Morumbi repetiu a dose em 1993. Sagrou-se bicampeão da Libertadores da América diante dos chilenos do Universidad Católica, no Chile, e conquistou outros títulos importantes, como a Supercopa e a Recopa. De volta ao Japão, Telê e seus "alunos" garantiram a segunda estrela vermelha na camisa são-paulina. Foi uma vitória incontestável sobre o Milan por 3 a 2.
O Vélez Sarsfield, da Argentina, levou a Libertadores de 1994 nos pênaltis, em pleno Morumbi, mas, na mesma temporada, o time de Telê faturou a Recopa e a Conmebol. A última das 22 conquistas dele com o São Paulo foi a Copa de Clubes Brasileiros Campeões Mundiais em 1995. A propósito, em 29 de abril de 2006, antes de golear o Santa Cruz por 4 a 0 pelo Brasileirão, o atual elenco do São Paulo homenageou o treinador, vestindo camisas pretas com o número 22 nas costas - referente aos títulos dele no clube - e a frase Telê Eterno.
Com as glórias na década de 1990, ele foi chamdo de Grande Mestre por torcedores e jogadores. Suas lições se transformaram em exemplos para uma nova fase do futebol, coincidentemente quando o País obteve conquistas históricas com a seleção e outros clubes. Além disso, o talento do jogador brasileiro voltou a ter o devido respeito.
Em 1996, um acidente vascular cerebral comprometeu seus movimentos e o impediu de continuar trabalhando. Mestre Telê retirou-se do cenário futebolístico para cuidar da saúde. Nos últimos dez anos de vida, a família sempre esteve ao lado dele. E, em 2000, foi publicada a biografia de Telê: Fio de Esperança, escrita pelo jornalista André Ribeiro. No prefácio, Juca Kfouri sintetiza: "Ele fez Sócrates e Raí, irmãoes e ídolos no futebol, na base da conversa, jogarem sob seu comando como jamais jogaram nem antes nem depois".
Telê acompanhou pela televisão as finais da Libertadores e do Mundial de Clubes de 2005 que coroaram o Tricolor. Chegou a se emocionar-se com as conquistas e as homenagens recebidas com bandeiras e frases do tipo: "Telê Eterno" e "Olê, olê, olê, olê, Telê, Telê", coro, aliás, sob o qual foi sepultado no dia 22 de abril, em Belo Horizonte. Enquanto o caixão descia com o corpo de Telê, seu filho, Renê, fazia uma emocionante despedida: "Vai com Deus, pai. Vai em paz. Descanse tranqüilo, porque sua missão aqui está cumprida".
Agradecimentos ao Jorge M.
muitas saudades do nosso eterno mestee no comando do spfc...
ResponderExcluirass: Eduardo.
Eu infelizmente era muito pequeno na época,não pude acompanhar muito bem ele no SPFC, mas em diversos momentos no texto aí,chega a emocionar!
ResponderExcluirGrande Telê!!
Olê,olê,olê,olê Telê Telê...