SÃO PAULO FUTEBOL CLUBE

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Fundação: 25 de janeiro de 1930
Apelidos: O Mais Querido, Clube da Fé, SPFC, Tricolor Paulista.
Esquadrão de Aço (30-35), Tigres da Floresta (30-35), Rolo Compressor (38-39, 43-49), Tricolor do Canindé (44-56), Rei da Brasilidade (50-60), Tricolor do Morumbi (60-), Máquina Tricolor (80/81), Tricolaço (80/81), Menudos do Morumbi (85-89), Máquina Mortífera (92/93), Expressinho Tricolor (94), Time de Guerreiros (2005), Soberano (2008), Jason (08-09), Exército da Salvação (2017), O Mais Popular (2023), Campeão de Tudo (2024).
Mascote: São Paulo, o santo.
Lema: Pro São Paulo FC Fiant Eximia (Em prol do São Paulo FC façam o melhor).
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segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Choques-Rei inacabados, visão tricolor e consequências

O clássico entre São Paulo e Palestra Itália/Palmeiras, jogado desde 1930, somente não teve o tempo regulamentar de duração (partidas oficiais de 80 ou 90 minutos) em três ocasiões. Todas elas, curiosamente, antes do confronto ser batizado de Choque-Rei, mas sempre na era profissional.

A primeira, por causa de decisão do árbitro; a segunda, por vontade do Palestra Itália, e a terceira, por recusa do São Paulo. Importante destacar as duas primeiras por comparação e pelo comum desconhecimento histórico dos fatos. Quanto a terceira, mais longa justamente por apresentar o lado dos tricolores - algo não muito visto por aí.


1933 - Faltando de 7 minutos
Motivo: Não se sabe ao certo (provavelmente insegurança)

Arquivo Histórico do São Paulo Futebol Clube

No dia 14 de maio de 1933, no campo do São Paulo na Chácara da Floresta, o Palestra Itália venceu por 3 a 2 um jogo válido pelo Campeonato Paulista e pelo Torneio Rio-São Paulo da temporada (de quebra, estava em disputa também e apenas nesse embate a Taça O Dia).

Do começo ao fim, a partida foi problemática. 30 mil pessoas marcaram presença (recorde de público em jogos do São Paulo, até então) e muitas delas se xingavam e engalfinhavam nas arquibancadas. Soltaram até mesmo um balão, que caiu e pegou fogo ali por perto. Em campo, Carazzo, do Palestra, descia sarrafos em jogadores do time que defenderia em 1936. Com a bola rolando, porém, o primeiro tempo acabou 2 a 2 (dois gols marcados por Waldemar de Brito).
No começo do segundo tempo, "numa bola adiantada, Sylvio, ao tirá-la de Imparato, cai. O extrema palestrino dá ponta-pé no adversário que estava caído. Sylvio levanta-se e agride Imparato. Há intervenções e o jogo é interrompido. Depois de sete minutos o jogo é reiniciado, tendo os dois contendores se confraternizado num abraço" (O Estado de S. Paulo, 16 de maio).
Realmente, ninguém foi expulso. A Folha da Manhã dá mais detalhes: "Imparato, então, aplica-lhe um violento ponta-pé. Sylvio irrita-se e replia, agredindo Imparato a socos. Romeu corre então e, quando todos esperavam que fosse apartar a briga, como capitão do quadro que é, tenta também agredir a Sylvio". E o jornal também afirma que a partida ficou paralisada por sete minutos para "se serenarem os ânimos". Já o Correio de S. Paulo critica a postura dos clubes e da arbitragem que deixou tudo por isso mesmo:
"Agora, dois elementos em arreganhos favelescos se atracarem durante a partida e que, depois, um banco de diretores entrando em campo façam com que eles cinicamente se abracem, sem que sejam punidos, como deviam ser em tais casos, francamente é simplesmente tão indecente quanto ridículo [...]. Um jogador que provoca desordens e sururus numa partida de profissionais deve incontestavelmente ser expulso do campo, e se for reincidente, eliminado". 
Aos 23 minutos da etapa final, o Palestra Itália marcou novamente. Seguiram-se, então, minutos de pressão do Tricolor. "Os palestrinos procuram a defesa, a fim de garantir o triunfo. Os locais procuram atacar, porém a defesa palestrina está firme [...]. Sem que fosse descontado o tempo da interrupção, termina o jogo com a vitória do Palestra por três a dois" (O Estado de S. Paulo, citado).

O Diário de S. Paulo (15 de maio) relata que os dirigentes são-paulinos logo tentaram reclamar da decisão precipitada da arbitragem, mas que nada puderam fazer pois o representante da APEA já havia deixado o estádio antes mesmo do fim do jogo. Ninguém conseguiu explicar exatamente o porquê da pressa do árbitro Virgilio Friedrighi em encerrar a disputa: "Não houve desconto do tempo perdido, quando do incidente Imparato-Sylvio-Romeu. Não sabemos qual foi o critério do árbitro ao julgar a interrupção havida".

Pouco antes do apito final antecipado, houve outro perrengue entre jogadores Ferreira e Adolpho, o que talvez tenha motivado o árbitro a encerrar a partida de uma vez, antes da hora.

No fim das contas, em um exercício de extrapolação, tanto Campeonato Paulista quanto o Rio-São Paulo de 1933 foram decididos por dois pontos de diferença entre o vencedor, Palestra, e o vice, São Paulo. Caso o Tricolor empatasse o jogo nesses minutos finais faltantes, ambos os torneios poderiam ter acabado empatados, forçando decisões em confrontos extras.

Curiosa também foi a punição da federação aos envolvidos na altercação:
"A Apea resolveu com a maior facilidade possível as questões surgidas no jogo Palestra-S. Paulo. Suspendeu Sylvio por 4 jogos, e Imparato e Ferreira por 2.
Mas não é possível deixarmos de registrar esse fato como uma das grandes injustiças cometidas no esporte paulista. Não é possível continuarmos nesse pé pois isso dará margem a que mais tarde outras arbitrariedades sejam notadas. 
A alínea 'a' do artigo 43 do Código de Penalidades da entidade máxima pune as infrações de agressão com "2 a 4 jogos de campeonato se for contra adversário ou juiz de linha; a penalidade será reduzida à metade se for cometida agressão em represália a outra agressão".
Baseados nessa lei, os mentores do Tricolor resolveram protestar e enviaram à Apea um ofício solicitando retificação da penalidade.
De fato, Sylvio foi o agredido e, portanto, jamais poderia ter sido punido da forma que o foi".
A decisão, posteriormente, foi revertida e Sylvio só perdeu a partida contra a AA São Bento (5 a 0 para o São Paulo).


1935 - Faltando 23 minutos
Motivo: Recusa do Palestra Itália

A Gazeta de 11 de março de 1935

São Paulo e Palestra Itália novamente se enfrentaram no Parque Antárctica, agora em uma partida amistosa, no dia 10 de março de 1935. Em situação muito mais harmoniosa, ao menos nas arquibancadas, o jogo transcorria normalmente. Aos 28 minutos, Gabardo abriu o marcador para os palestrinos. Três minutos depois, Mendes ampliou. Ainda na etapa inicial, Luizinho descontou, aos 38 minutos.

Na segunda etapa, o Tricolor foi ataque e teve um gol anulado incorretamente, como também um pênalti não marcado pelo árbitro Manuel Nunes, o Neco - ex-jogador do Corinthians. "O S. Paulo acatou bem a sua decisão, anulando erradamente um ponto de Luizinho e não assinalando como penal a rasteira de Tuffy em Vega", relata o jornal Correio Paulistano (12 de março).

Foi então que, aos 17 minutos da parte final, ocorreu o lance capital que definiu o confronto. O ponta são-paulino Junqueirinha disparou pela esquerda até a linha de fundo, deixando para trás o marcador Tunga, e cruzou a bola para área onde encontrou Luizinho, que só teve o trabalho de tocar de cabeça para o fundo do gol. 2 a 2.

Correio Paulistano de 12 de março

Os adversários paralisaram então a partida, reclamando que Junqueirinha havia deixado escapar a bola para além da linha de fundo. "Segundo as pessoas que se achavam atrás do arco vazado, a bola já tinha ultrapassado o risco de fundo quando o avante do São Paulo marcou o ponto" (Folha da Manhã, 12 de março).

O jornal Correio Paulistano, citado, descreve completando: "Alguns jogadores da defesa, em vista disso, não fizeram empenho em intervir, porquanto a bola já não mais se achava em jogo. Junqueirinha, talvez mesmo com o intuito de devolver o couro a Batatais, centrou à meia altura, quando Luizinho, de cabeça, vazou a meta adversária". Diz o mesmo jornal que os próprios jogadores e dirigentes do Tricolor reconheceram o fato. Na verdade, o periódico discorre um verdadeiro tratado do que poderia ou não poderia ser feito após o erro da arbitragem.

Porém, tanto esse diário, quanto todos os outros, foram absolutamente enfáticos sobre o que veio a seguir.

 A Platéa, 11 de março 




Diário da Noite, 11 de março (referência ao fato do Boca ter abandonado um jogo contra o Corinthians, dias antes)





Ao mesmo tempo, todos elogiaram atuação do árbitro da partida, apesar do suposto ou possível erro no gol de empate e dos lances favoráveis ao Tricolor que não foram validados. "A atitude do árbitro foi correta, assim como agiu bem mantendo sua decisão anterior" (Folha da Noite, 11 de março).
"Se a atuação não foi impecável, também não podemos dizer que foi das piores. Neco pecou em algumas vezes na marcação de faltas, sem entretanto prejudicar quaisquer dos quadros" (Correio de S. Paulo, 11 de março).
Revoltados com a arbitragem, os palestrinos não deixaram o jogo prosseguir. Em pouco tempo, diretores e outros associados locais invadiram o gramado. Muitos, tentando convencer o árbitro a voltar atrás na decisão.

Diário da Noite, 14 de março

Neco não voltou atrás. E os palestrinos abandonaram o jogo e deixaram o gramado, não sem antes, contudo, perderem o controle de vez. O jogador palestrino Mendes atacou fisicamente o árbitro, desferindo-lhe uma bofetada. Neco, que tinha pavio curto quando jogador, não rogou-se a vingar-se e partiu para o contra-ataque. "O nosso colega, Valentim Bonomo, se não fosse esperto, teria sido atingido por um valente chute de Neco, que não queria ver palestrinos pela sua frente" (Correio Paulistano).

Com o arranca-rabo formado, a polícia teve trabalho para conter os ânimos dentro e fora das quatro linhas. Um verdadeiro "aluvião de brigas", como retratou o Correio de São Paulo: "Brigava-se por todos os lados. Alguns jogadores do Palestra davam mostrar de querer pular a cerca para agredir os assistentes (torcedores, n/a)". Lembrando que o jogo se deu no próprio Parque Antárctica.

A repercussão foi extremamente negativa. Contudo, não se encontra registros de punição alguma aos envolvidos (Vale lembrar que a Liga organizadora do jogo havia sido recentemente fundada por Palestra e Corinthians). Para a história, entretanto, sobraram relatos. "Isso é um escândalo, um menosprezo ao público. É uma semvergonheira inominável e não pode e não deve continuar" (A Gazeta, 12 de março).
"Foi criticado severamente por todos que estiveram presentes no Parque Antárctica a infeliz atitude do Palestra, abandonando o gramado por não saber acatar uma decisão justíssima do árbitro, quando do tento de empate. A falta de confiança em vencer o prélio, depois daquele tento do Tricolor, talvez tenha sido o motivo principal de ter o alviverde se afastado ingloriamente da luta (Coluna de Jormel, no Correio de S. Paulo).
Folha da Noite, 11 de março
"No jogo de ante-ontem, o culpado foi o Palestra e a vítima o futebol e o seu público. Não há dúvida de que o conjunto alviverde merece ser punido com alguma severidade, não só porque abandonou a luta sem motivo justificado, como também porque deixou de cumprir o seu compromisso para com a assistência. Cometeu ainda outra falta grave, como seja a de se rebelar contra o juiz, o qual, no campo, possui, como se sabe, absoluta autoridade" (O Estado de S. Paulo).
"Ademais, os 'periquitos', não aceitando a decisão, justa ou não, que confirmou a legitimidade do ponto de empate, deixaram a impressão de que temiam ser derrotados e, consequentemente, deram uma demonstração implícita de inferioridade" (O Estado de São Paulo).
"E não inventando pretextos fúteis para uma retirada estratégica, verdadeiramente desastrada, deselegante e que denotou apenas irreprimível 'paúra' no desfecho da luta... Essa é que é a dura, mas nua e crua verdade" (Coluna de Anhanguera, Folha da Manha).
Para concluir essa passagem, interessante ironia encontrada na A Gazeta, citada: "O Futebol Pacificado: Antes do início da partida, foi profusamente distribuído um comunicado contendo algumas palavras que o presidente da Liga Paulista proferiu anunciando ao público paulistano que o futebol estava pacificado, etc. e tal. Muito interessante...".


1942 - Faltando 26 minutos. 
Motivo: Recusa do São Paulo

Um lado dessa história é apregoado aos quatro cantos, conforme visão daqueles que a espalham. O que cabe ao São Paulo é pouco conhecido. Permita-se, então, que o apresentado aqui seja um texto denso e consideravelmente grande. Vale a pena.

A Gazeta, 21 de setembro

O ano de 1942 para o Tricolor foi de mudanças significativas, principalmente estruturais, já abordadas no texto "O Canindé, a Associação Alemã de Esportes e algumas lendas", mas também melhorias técnicas, decorridas, em grande parte, da maior contratação da história do clube: Leônidas da Silva.

O Diamante Negro foi contratado junto ao Flamengo por 200 contos de réis, a maior transação do futebol sul-americano até então. Logo na estreia, levou 71.281 torcedores ao Estádio do Pacaembu (recorde de público do local ainda hoje), e propiciou ao Tricolor cerca de 76 contos de réis (38% do valor investido) justo no primeiro borderô com ele em campo.

Leônidas elevou o patamar do São Paulo, dentro de fora das quatro linhas, embora o fato do clube, depois de reestruturado em 1935, concorrer pelo título do Paulista não fosse exatamente novidade (o time foi vice-campeão estadual em 1938 e 1941). Em 1942, a expectativa pela conquista era grande, mas é exagero pensar que havia pressão interna para isso devido a contratação do ídolo (só os ganhos em cooptação de sócios, torcedores de modo em geral e o ganho financeiro, já era imenso - algo nunca visto na jovem história são-paulina).

(Como curiosidade, falando em dinheiro: os são-paulinos deixaram de ganhar de 10 a 20 contos entre "bichos" e outras premiações de um possível título - O Esporte, 22 de setembro)

Naquela temporada, o Tricolor chegou à penúltima rodada disputando o título com o Palestra Itália, aliás, Palmeiras desde 15 de setembro de 1942 (Relatório da Federação Paulista de Futebol de 1942). E era contra esse time, justamente, a partida decisiva, pois, para a rodada final, duas semanas depois, estavam reservados o Espanha (futuro Jabaquara) e o Corinthians como adversários do São Paulo e do Palmeiras, respectivamente. O clube do Parque Antárctica estava dois pontos à frente dos são-paulinos (34 a 32).

O clima antes do jogo, ao visto, era de extrema rivalidade (A Gazeta, 21 de setembro), fomentada por torcedores e provavelmente por parte da imprensa, mas nas arquibancadas, com 45.913 pagantes, nada excepcional aconteceu. Os palmeirenses, como propaganda, costumam dizer que tal amenidade contrastante aos dias anteriores à decisão se deu pelo fato do time deles subir ao gramado do Pacaembu ostentando uma bandeira brasileira (deixando para trás anos de fascismo enraizado).

Durval Vilalva, Antenor Vila (bandeirinha) e Jayme Janeiro
O Esporte, 22 de setembro

Em campo, o árbitro Jayme Rodrigues Janeiro apitou o início do jogo (e voltou a utilizar o apito outras 171 vezes). Esse árbitro, até tomar parte nessa partida decisiva envolta a um clima de exacerbada rivalidade, nunca havia apitado nenhum Choque-Rei, ou mesmo qualquer outro clássico ou jogo importante em toda a carreira.

Do São Paulo, Janeiro mediou apenas um único amistoso três meses antes, em Bebedouro, contra o Internacional local. Nunca arbitrou pelejas do Corinthians e do Santos antes da fatídica ocasião. Curiosamente, do Palestra, apitou as vitórias dele contra a Portuguesa (8 de setembro) e Comercial da Capital (23 de agosto). Ou seja, apitou três das cinco últimas atuações do time de Parque Antártica, contando com a partida decisiva, no Campeonato Paulista que conquistaram.

Apesar do sobrenome, Jayme nada tinha a ver com os outros juízes "Janeiro" conhecidos (do período se conhecem outros com o apito, como Arthur, Antônio e Dino Janeiro - todos com currículo melhor), de acordo com o Diário Popular de 24 de setembro de 1942 (agradecimentos a Alexandre Giesbrecht pela informação). Mas o fato é que foi no mínimo estranha a escolha deste para controlar um jogo com toda essa importância e no cenário em questão, em detrimento de nomes mais experientes como Victor Carratu, Pausânias da Rocha ou mesmo Jorge Gomes de Lima (o Joreca, futuro treinador são-paulino, mas que, na época, nada tinha a ver com o clube).
"... durante mais de uma semana preocupa o juíz. Deseja-se um árbitro que em primeiro lugar tenha autoridade, pulso, que extermine qualquer violência, que se faça levar pela experiência. 
Que sucede? Acaba apitando a partida um juiz novo, portanto sem traquejo. Seu maior defeito é justamente aquilo que deveria ser sua maior virtude! Não combate a violência, cai no erro gravíssimo de expulsar um jogador em contraste com o critério demonstrado até então! (A Gazeta, 21 de setembro)
Depois da desastrosa atuação de Jayme Janeiro no dia 20 de setembro, como se verá, ele permaneceu sem jamais arbitrar partida importante alguma (obviamente).

Com a bola em jogo, o Palmeiras abriu o placar com Cláudio, aos 20 minutos do primeiro tempo. Cinco minutos depois, Waldemar de Brito empatou para o São Paulo. Faltando dois minutos para o término da primeira etapa, Del Nero colocou novamente o adversário à frente. Por fim, Echevarrieta marcou o terceiro gol palestrino, aos 15 minutos do segundo tempo.

Arakan: a revista dos sampaulinos - nº 7, outubro de 1942

Até então, durante toda a partida, o árbitro permitiu jogadas mais ríspidas ou mesmo violentas, principalmente sobre Leônidas (agredido a pontapé por Junqueira - A Gazeta), sem punir gravemente nenhum dos envolvidos. Alguns apontam que o anti-jogo era por parte de ambos os times (Correio Paulistano), mas que todavia faltou assertividade ao juiz para se impor. O jornal O Esporte (22 de setembro) contabilizou, no primeiro tempo, 13 faltas cometidas pelos palmeirenses, contra 8 dos são-paulinos. É relatado que, no intervalo, dirigentes são-paulinos procuraram os representantes da FPF com queixas sobre a passividade do juiz, que poderia perder o controle do jogo e lesar os tricolores.

Porém, aos 19 minutos da etapa final, quando Virgílio, do São Paulo, atirou-se para impedir a finalização de Og, Jayme Janeiro marcou não somente a falta como também expulsou o são-paulino de campo, revoltando os demais atletas do Tricolor, que cercaram o juiz, paralisando a partida.
"O árbitro, que havia tolerado outras faltas mais graves, não quis saber de nada e expulsou Virgílio do gramado" (O Estado de S. Paulo, 22 de setembro).
A Gazeta, 21 de setembro

Luizinho, capitão do São Paulo, então se dirigiu até o túnel de acesso ao gramado, por iniciativa dele (Arakan), onde se reuniu com dirigentes do clube. Regressou momentos depois, com o respaldo dos dirigentes (Paulo Machado de Carvalho - então membro do Conselho Regional de Desportos, Piragibe Nogueira, Deocleciano Dantas de Freitas, Antônio Macuco Alves, José Silva Sobrinho, Jaime Loureiro, Cabelo de Campos e outros), convicto em não deixar o jogo continuar enquanto o árbitro não voltasse atrás na decisão tomada. O jornal Folha da Manhã (22 de setembro) diz que a ordem ou aval teria partido do presidente Décio Pacheco Pedroso.

Cabe destacar exatamente isso. Os são-paulinos não deixaram o gramado. Não abandonaram o campo do jogo. Mas mantiveram posição à espera que o árbitro alterasse o julgamento, o que não veio a ocorrer - Praticamente o mesmo ocorrido em 1936, em outra decisão do Paulistão, agora entre Corinthians e Palestra (A Gazeta, 21 de setembro).
"O São Paulo permaneceu no gramado, até finalizar os 45 minutos derradeiros, mas não prosseguiu a partida" (O Estado de S. Paulo). 
A Gazeta, 21 de setembro

O que teria levado Luizinho e/ou a diretoria são-paulina a tomar drástica postura, que como em 1935, certamente, e a princípio, cairia negativamente entre a imprensa e os espectadores em geral? Teria sido somente por causa da violência empregada pelos adversários e não coibida pelo árbitro?

Um são-paulino não identificado, sócio ou dirigente, teria sido captado por jornalista de A Gazeta (21 de setembro) afirmando que "em caso de necessidade, tomariam medidas necessárias para salvaguardar interesses de seu clube, uma vez que o Tricolor fosse vítima de injustiças, como aliás, o foi... Então, aquela agressão de Junqueira em Leônidas, quando a bola já se encontrava longe e a jogada desfeita, não era premedita e não mereceria também uma severa repressão do árbitro?" Outro, ainda completou, comparando a jogada de Virgílio, que "se atirou visando a bola e não o adversário, ao contrário do que se sucedeu com Junqueira a Leônidas".

"Agressividade sem limites". A Gazeta, 21 de setembro

A questão, contudo, ia além do ocorrido dentro das quatro linhas. "Os cronistas e locutores não estão a par de todos os motivos que levaram o Tricolor a assumir a precipitada atitude por todos conhecida" (Correio Paulistano, 24 de setembro).


A versão oficial

Oficialmente, conforme descrito na Revista Arakan nº 7, de outubro de 1942, que aborda a reunião conjunta da diretoria, conselheiros e sócios do São Paulo ocorrida no dia 24 seguinte à decisão, o motivo do Tricolor foi uma espécie de "basta", de desagravo enérgico à FPF, visto ao ocorrido e a fatos decorrentes de toda a temporada.
"Domingo último, a Diretoria do São Paulo FC tomou uma atitude que atingiu o limite máximo da energia. Mais uma vez, esclareço, a formação moral do São Paulo não admite facções. Não cabe, pois, neste momento, controvérsias e pontos de vista antagônicos". Os são-paulinos aqui presentes, deverão apenas, ouvir, analisar e julgar. E só encontramos duas alternativas: A Diretoria acertou ou não acertou. A Diretoria aqui assume a inteira responsabilidade de seus atos. Para ela, dentre todos os julgamentos já havidos, só um verdadeiro interessa: é o julgamento do são-paulino" (Arakan).
No decorrer da missiva, são abordados fatos que demonstram hostilidade do departamento de futebol profissional da FPF para com o Tricolor:

a) O não atendimento das emendas sugeridas pelo clube ao Código Esportivo da entidade (Relatório da FPF de 1942) - Foi o único clube a fazê-lo, por pedido da própria Federação, aliás;

b) Recusa inicial em aceitar a realização do jogo SPR x São Paulo, de mando do primeiro, no Pacaembu, após acordo entre os clubes. A demora fez o Tricolor perder a "reserva" do Estádio e a jogar em outra data. O mesmo ocorreu com as partidas contra a Portuguesa Santista - O fato era comum a todos os grandes clubes em relação a partidas contra times pequenos, até por ser o Estádio Municipal ainda novidade, à época, e a melhor praça esportiva do país;

c) A advertência recebida por não ter participado do torneio início com os principais atletas do elenco;

O texto vai além e cita uma resolução do clube, datada de 24 de julho, que dizia que a partir dali: "Não perdoaríamos os maus apitadores. Responsabilizaríamos o Departamento de Juízes pelas arbitragens irregulares". Depois dessa atitude são-paulina, a Federação tomou para si a responsabilidade sobre arbitragem (Relatório da Federação Paulista de 1942).

Ainda naquela ocasião, no ofício à Federação encontra-se: "O desejo do São Paulo FC é contribuir para a boa solução dos problemas reais tanto quanto o de não criá-los. Entretanto, mesmo lamentando profunda e sinceramente, o São Paulo FC não recuará um passo na defesa do seu patrimônio moral e material".

Resumindo: se referem a pontos controversos na formação do código esportivo daquele ano e da confecção da tabela do campeonato, onde mais uma vez não aprovaram nenhuma sugestão do clube, que havia sido o único que se predispusera a isso.
"Havia chegado o momento. O São Paulo não recuaria um passo!".
 
 
Arakan: a revista dos sampaulinos - nº 7, outubro de 1942

Abaixo, outras passagens destacáveis do relatório da diretoria aos sócios, presente em Arakan:
"Não desconhecíamos que o ato seria considerado rebeldia e tínhamos pleno conhecimento das penalidades que poderíamos posteriormente sofrer. Mas o desagravo era necessário; tornara-se imperativo!"
"A alma são-paulina não mais suportava que as cores tradicionais de nossa camiseta fossem insultadas e humilhadas pela inépcia de um homem que, perante dezenas de milhares de pessoas, desrespeitava os mais elementares princípios de julgamento imparcial. O regime de dois pesos e duas medidas fora adotado, em flagrante desacato à dignidade de um Clube que nasceu de um Ideal e para um Ideal há de viver".
"O São Paulo sabe, saberá e sempre soube perder. Isto porque o são-paulino - o bom são-paulino, é claro - já passou pelos maiores transes, pelas maiores decepções a que está sujeito um adepto fervoroso do futebol. E o são-paulino continua de cabeça erguida enquanto sangra o seu coração. Sangra mas não deixa de pulsar pelo Clube que, enfrentando toda e qualquer situação, lutando contra os maiores obstáculos, continua a ser o 'Clube da Fé'". 
"Abandonar a luta seria falta de esportividade, mas continuá-la, em condições tão humilhantes, seria falta de vergonha". 


Lendas e boatos

Criar factoides sobre o Tricolor parece até ser algo inerente a natureza de certos oponentes. Contudo, também existem aqueles boatos que envolvem esses adversários, mas que, talvez pela diferença histórica de postura ética entre os são-paulinos e os demais, nunca se viu muito propagadas por aí - ainda mais como verdades absolutas, como tentam fazer.

Pois bem, um dos casos não apurados e envolto a mistério é sobre a indicação do árbitro Jayme Rodrigues Janeiro para apitar o jogo mais importante da conturbada temporada de 1942, tendo ele jamais arbitrado nada significativo até então - e nem depois.

Na realidade, Janeiro não era nem do principal quadro de juízes da entidade - reconhecido em relatório oficial da FPF. Ele fazia parte do quadro B (o Departamento de Juízes afirmou, posteriormente, que para aquela decisão havia o promovido para o quadro A como "suplente"):

Relatório da Federação Paulista de Futebol de 1942
(existe ainda outra relação, válida no mesmo ano, que o mantém na B)

Em 2010, tomei contato com uma estória referente a ele.

Através de Conrado Giacomini, autor do livro "Dentre os Grandes, És o Primeiro", fui apresentado (por meios eletrônicos) à história do sr. Flávio José da Rocha, que no ano de 2006 escreveu para o site www.saopaulominhacidade.com.br o relato de vida dele no bairro em que morou, Santana, zona norte da Capital, como também a relação dele com o sr Janeiro, em 2008. Conrado, pesquisador, e sabedor que o árbitro em questão havia residido no mesmo local, à mesma época, tratou de entrar em contato.

Flávio relatou então que o sr. Jayme Janeiro de fato morou na região e que ele, Flávio, estudara ao lado do filho do árbitro, no G. E. Buenos Aires. Foi além, afirmou categoricamente que o juiz era "palmeirense de quatro costados" e que vivia sempre com o Nascimento, goleiro do Palestra Itália (do qual, o filho, também era colega de Flávio no citado colégio).
"... e era colega do filho do Nascimento. Seu filho, Hilton, como palmeirense, gostava de falar do pai e da amizade com Janeiro, pois os dois eram palestrinos". 
Isso, acima, é fato, não boato. Flávio, porém, também desmentiu a lenda de que o árbitro tivesse fugido da cidade com uma certa quantia em dinheiro. "Jayme Janeiro quase foi linchado no Pacaembu e, de fato, ele sofreu outro tanto no bairro de Santana, mas que eu saiba, não fugiu com os dólares na cueca não".

Somente em dezembro de 2012, porém, sobrou-me tempo para averiguar também esse relato. Flávio respondeu minhas questões via e-mail. Destaco das respostas dele passagens como:
O sr Jayme Rodrigues Janeiro (que era oficial da Aeronáutica no Campo de Marte, no bairro de Santana) morava na rua Ezequiel Freire, rua, aliás, que moravam também o sr. Oscar Nascimento, que foi goleiro do Palestra Itália nos anos 30 e também um goleiro do Palmeiras, de nome Assadur... Conheci o sr. Jayme Janeiro somente 'de vista' por morar perto de nossa residência (distante uns 300 m da dele) e por ser um de seus filhos, colega no GE Buenos Aires, no curso primário. O sr. Jayme Rodrigues Janeiro, falecido se não me engano nos anos 80, era também "chefe" dos escoteiros naquele bairro".
"... em virtude de uma 'perniciosa' arbitragem do meu vizinho de bairro de Santana, o sr. Jayme Rodrigues Janeiro, que durante todo o jogo foi hostilizado pelo Capitão Mendes, que entrou (e ficou) no gramado do Pacaembu junto com os jogadores da SE Palmeiras". 
Sobre as estórias de invasão ou roubo: "Quanto aos 'boatos que o São Paulo FC teria 'alimentado' a desapropriação do Parque Antárctica, para 'tomar posse' do mesmo, saindo do Canindé... o São Paulo 'levou a fama' porque, na época, o locutor da Rádio Record, Geraldo José de Almeida, 'tricolor roxo', fazia 'campanha' a favor do 'seu time' para ser o escolhido, caso houvesse desapropriação, que felizmente não aconteceu".

Flávio esclareceu, porém, que essa "campanha" nunca foi algo sério: "Que me lembre, não houve nenhum outro tumulto entre outras torcidas e muito menos entre dirigentes... somente a gozação de que o São Paulo FC queria 'tomar a força" o Parque Antárctica".

Não é nada muito diferente do que vemos ainda hoje, em certos programas esportivos de rádio ou TV...


Boatos como frutos de ações passadas

Apesar da atuação catastrófica, por que se cogitaria questionar necessariamente a idoneidade do árbitro do jogo (bom, além da clara esquisitice que foi a indicação do mesmo)? Talvez por exemplos envolvendo o adversário em acontecimentos condenáveis passados, mas então ainda bem recentes?

Refiro-me aos casos de suborno assumidos e punidos.

São dois casos amplamente conhecidos (e existe uma outra situação, posterior - 1950 - muito mal explicada, que não discorrerei nesse momento): No último jogo do Campeonato Paulista de 1940, Palestra versus São Paulo - que valeu o título da competição aos rivais, o jogador reserva do time de Parque Antárctica, Sidney, confessou ter tentado subornar o são-paulino Paulo e foi punido, a princípio, com a eliminação do futebol.
"A vista do inquérito procedido para apurar a responsabilidade dos implicados na tentativa de suborno de jogadores do São Paulo FC, por ocasião do jogo que esse clube tinha a disputar contra o Palestra Itália, e, considerando que o jogador Sidney Pinheiro, do Palestra Italia, confessou a sua culpabilidade, reconhecendo a sua responsabilidade no caso, resolve esta Comissão eliminar o referido jogador Sidney Pinheiro, de conformidade com o disposto na letra 'h' do art. 78º, combinado com o art. 80º dos Estatutos, e letra 'd' do art. 19º, combinado com o art. 40º do Código de Penalidades.
Deixar em suspenso o inquérito acima, aguardando possíveis novos elementos que surjam com a sindicância que está sendo procedida e com o inquérito policial em andamento" (Boletim da Liga de Futebol do Estado de São Paulo nº 54/1940). 
O caso ficou restrito ao atleta, curiosamente. Mas dez anos antes, viu-se o mesmo modus operandi: Palestra e Corinthians se enfrentariam no dia 6 de novembro de 1932, quando vazou a trama escusa: o diretor palestrino Roque Di Lorenzo tentou subornar o zagueiro corintiano Jaú. Mais uma vez, dirigente e jogador foram punidos, mas não houve dano à instituição.

Vistos esses exemplos históricos (um muito recente), não desabonaria quaisquer desconfianças que o jogo daquele dia 20 de novembro de 1942 pudesse suscitar. Especialmente quando se sabe que partiu de Luizinho, capitão do Tricolor e ex-jogador do Palestra Itália no período do segundo suborno, a decisão de procurar os diretores no túnel do Pacaembu para respaldar a decisão de impedir o prosseguimento da partida.

Contudo, diferentemente dos rivais, a torcida são-paulina, e muito menos a entidade São Paulo Futebol Clube, jamais perpetuou boatos ou histórias não comprovadas como verdades absolutas.


Atos e Consequências

Finalizado o jogo, no dia seguinte, a Diretoria da FPF se reuniu extraordinariamente. Nessa conferência, foi aprovado o resultado da partida (Comunicado Oficial nº 38/1942), uma reprimenda ao Palmeiras por utilizar desrespeitosamente símbolos nacionais (mesma fonte), e oito (!) multas à atletas presentes na confusão no Pacaembu:


- Luizinho, Noronha, Leônidas, Virgílio e Pardal: 300$000 (trezentos mil réis).
- Junqueira, Og Moreira, Echevarrieta: 200$000 (duzentos mil réis).

Curiosamente, multas 50% mais pesadas só para jogadores do São Paulo, embora todos terem sido punidos com base no mesmo artigo (32º) do Código de Penalidades.

Na reunião do Departamento Profissional da federação, no dia 22 de setembro, veio a punição ao São Paulo: suspensão de 30 dias (de acordo com o item 26 do art. 25 combinado com a letra 'b' inciso 1º do art. 14 do Código de Penalidades). Com isso, o Tricolor também foi punido pela com a perda dos pontos da partida contra o Espanha, na rodada final do Campeonato, deixando de conquistar, assim, a segunda posição no torneio (Relatório da Federação Paulista de Futebol de 1942).

A suspensão, da mesma maneira, afetou as categorias de base: a continuação de partida contra o mesmo Palmeiras, na categoria juvenil, foi cancelada e os pontos dados ao adversário (neste caso, não fez diferença, o São Paulo foi o campeão da temporada). O time também foi impedido de jogar um amistoso contra o CA Piratininga, de Santo André.

Nem mesmo a Federação Paulista havia apurado completamente o caso, quando, no dia 23 de setembro, da Diretoria de Esportes do Estado de São Paulo veio a ordem assinada por Sylvio de Magalhães Padilha (Correio Paulistano, 25 de setembro):
“Em vista dos acontecimentos a Federação deverá, além da punição:
a) Chamar a atenção da diretoria do São Paulo Futebol Clube que, se esquecendo da responsabilidade, etc., por desconsiderar de maneira reprovável, não só altas autoridades do Estado ali presente, bem como a um público de dezenas de milhares de pessoas que para lá acorreram na certeza de assistir a uma competição esportiva e não cenas de indisciplina e da mais comezinha falta de ética esportiva.
b) Punir o juiz Jayme Rodriguez Janeiro, por não ter energia necessária para conduzir uma partida.
c) Determinar ao Departamento de Juízes que dê as necessárias instruções em casos semelhantes, quando o quadro recusar-se a prosseguir a partida, solicitando da autoridade policial a prisão imediata daquele que estão lesando o público.
d) Chamar a atenção dos seus filiados para a letra “d” do artigo 25º do Decreto-Lei Federal, no 4545, de 31 de julho de 1942, que dispões sobre o uso da bandeira nacional, não permitindo que os prélios futebolísticos sejam confundidos com manifestações de caráter nacional (O Estado de S. Paulo, 24 de setembro). 
As sanções foram expressas no Comunicado Oficial nº 39 de 1942 da FPF.

Quanto o árbitro. A punição do sr. Janeiro só veio após a reunião do Departamento de Juízes, realizada no dia 23 de setembro, e foi irrisória: 10 dias de suspensão (não chegaria a perder nem os últimos jogos do campeonato, realizados duas semanas após o entrevero).

Comunicado Oficial nº 40 de 1942 da FPF


Mais consequências, menos resultados

Ainda no polêmico dia 20 de setembro, surgiu a história que o jogador palmeirense, Echevarrieta, havia sido inscrito irregularmente. O presidente do time do Parque Antárctica, Higino Pellegrini, negou (O Esporte, 21 de setembro). Partidários tricolores, por sua vez, afirmam que o atleta fora registrado depois do fim do expediente da entidade (12h do sábado anterior), algo como se o BID, dos dias de hoje, fosse aberto especialmente para um único clube em um feriado após o prazo legal de inscrições de jogadores.
"Quem teria decidido, na véspera do jogo, já noite alta, a restauração de um registro cancelado automaticamente? Não consta que na vida desportiva, funcionem as atividades ocultas dos duendes"
Entretanto, com um ofício irregular, sem reunião extraordinária, sem o prazo de 24 horas de antecedência, exigido pelo mesmo Departamento, foi resolvida, sumariamente, contra a lei federal, contra as regras e princípios das leis desportivas, a indébita inscrição de um atleta, para efeito de contentar-se uma das partes, na competição que deveria ferir, no dia seguinte" (O Esporte, 1 de dezembro).
Após sofrer as sanções descritas, e nesse período de pena, o São Paulo preparou um recurso para questionar junto a FPF punições que achava necessárias aos demais envolvidos no caso da decisão do Paulista de 1942: Árbitro, Departamento de Juízes e Departamento Profissional da própria federação, incluindo, também, o caso Echevarrieta; como também rebater as sofridas.

No começo de outubro, a FPF encaminhou o processo (lavou as mãos) ao Conselho Regional de Desportos (Correio Paulistano, 9 de outubro). Lá, o caso ficou parado por quase um mês e foi postergado mais ainda após uma manobra para dispensar tempo e forçar os são-paulinos ao oblívio - alegou-se que o linguajar no tratamento para com as autoridades do país era inconveniente (Correio Paulistano, 29 de outubro).

Um mês para analisarem os modismos de um texto!

Só no começo de novembro o Conselho Regional de Desportos aceitou a documentação - o São Paulo não alterou uma vírgula -, repassando-a, também (novamente), à FPF. Esta, por sua vez, demorou outros tantos dias para se mobilizar e pensar em talvez analisar o caso. No dia 19 de novembro, a federação julgou por bem não levar o processo a julgamento! Engavetou sem préstimo de satisfação (Comunicado Oficial da FPF nº 46/1942).

O fato causou surpresa geral, visto que, no final das contas, o próprio Conselho Regional de Desportos deu um parecer favorável ao Tricolor .
"O Esporte" deu conta aos leitores do parecer dado pelo Conselho Regional ao recurso do S. Paulo FC. Por intermédio dessa notícia ficaram todos os esportistas cientes de que aquele órgão se pronunciou favoravelmente ao Tricolor na questão do registro do profissional Juan Raul Echevarrieta. Consequentemente, reconheceu o Conselho Regional, que os pontos da partida disputada entre S. Paulo e o Palmeiras não poderiam ser contados para este último clube.
Uma vez provada a irregularidade, o que o exame do recurso deixou bem claro, o parecer recomendava que se não contassem para o alviverde os pontos ganhos no referido prélio. Ainda sugeriu o Conselho Regional que se fizesse uma censura ao Departamento Profissional. Este poder teve culpabilidade no registro ilegal de Echevarrieta. Por sua conduta dúbia deveria merecer uma censura máxima da entidade. 
Além desses itens, outros três foram consignados no parecer: o primeiro, louvando a diretoria da Federação pela suspensão imposta ao S. Paulo; o segundo, pedindo que se enviasse o recurso para o Conselho Nacional; e o terceiro, finalmente, pedia que se agravasse a penalidade do S. Paulo pela inconveniência dos termos empregados no recurso". (O Esporte, 21 de novembro)
Ao visto, as palavras contidas no recurso elaborado pelo São Paulo eram bem ácidas, porém, verdadeiras e atingiam a Diretoria de Esportes do Estado e também um ponto fraco da FPF, o Departamento Profissional.

Com o veto inexplicado aplicado pela federação, o Tricolor decidiu levar o caso à CBD (O Esporte, 22 de novembro) e ao Conselho Nacional de Desportos. A decisão da FPF também motivou a demissão de representantes do São Paulo que prestavam serviços à entidade, como a do ex-tesoureiro Nelson Fernandes (lembre da atuação dele no caso Canindé - ele tornou-se sócio do clube depois do fato).

Pouco depois que o recurso chegou ao Rio de Janeiro, contudo, o CND enviou à capital paulista um representante para mediar um acordo entre a FPF e o São Paulo - apesar desse mesmo representante, João Lira Filho - reconhecer o mérito da causa tricolor. E o dirigente da entidade nacional entrou em acordo, de fato, com o presidente Décio Pacheco Pedroso, que delegou ao visitante o direito de ser o porta-voz do clube na reunião da Diretoria da Federação Paulista do dia 5 de dezembro, em que fora "selada a paz".

Comunicado Oficial da Federação Paulista

Não se encontram registros, ainda, do porquê Décio Pacheco Pedroso e o São Paulo aceitaram não levar o processo adiante e qual o benefício obtido com essa trégua. Talvez tenha sido convencido, simplesmente, a esquecer, pois não haveria clima algum para que - qualquer que fosse a decisão que tomassem a favor do Tricolor - se jogasse novamente aquela fatídica partida.


Justiça histórica

Como em parte já abordado na história do São Paulo com o Canindé, muito se fala inapropriadamente sobre o que o São Paulo fez ou deixou de fazer em 1942. É importante mais uma vez frisar que o clima entre os torcedores antes da partida de 20 de setembro de 1942 ou mesmo a mudança de nome daquela equipe de Palestra para Palmeiras, no dia 15 anterior, oficial e institucionalmente nada tem a ver com o Tricolor.



De acordo com o capítulo III, artigo 31º dos Estatutos Sociais do São Paulo Futebol Clube de março de 1942, são poderes sociais da associação, somente, a Assembleia Geral, o Conselho Deliberativo e a Diretoria Executiva, sendo apenas esta última dotada de condições de representar o Tricolor como um todo e ser responsabilizada por atitudes, coletiva ou individualmente (de acordo com cada diretoria atribuída) e de responsabilizar a Instituição por ações por ela cometida.

Torcedores, sócios e conselheiros, não.

A Diretoria Executiva do São Paulo eleita para o período de 19 de dezembro de 1941 a 13 de dezembro de 1943 era composta por:

- Presidente: Décio Pacheco Pedroso;
- Vice-Presidente: Rafael de Paula Souza;
- Secretário: Helvécio Bastos;
- Tesoureiro: Virgílio Lemos da Silva;
- Diretor Social: José Porphyrio da Paz;
- Diretor Esportivo: Roberto Gomes Pedroza;
- Diretor de Patrimônio: Thomaz Carlos Mauri.

O tenente Porphyrio da Paz, membro da diretoria são-paulina foi, inclusive, um dos mais ativos pela pacificação do esporte e das torcidas naquele conturbado período do início dos anos 40, apesar dos constantes ataques à memória dele que muitas das lendas e boatos de hoje em dia, injustamente.

Ele, que de fato pertencia ao corpo diretor do Tricolor naquele ano de 1942 (mas estava licenciado, em Natal, a serviços militares), faleceu em 27 de setembro de 1983, e no velório deste são-paulino, as ações dele em relação aos rivais foram lembradas com reverência - e como a memória dos presentes era falha e o jornalista que reportou não se interessou, por motivos óbvios (não era importante naquele momento), em averiguar a data do referido confronto, provavelmente em 1943.

Mundo Esportivo, 11 de outubro de 1946.

Fontes:

A GAZETA. Biblioteca Nacional Digital. Disponível em <http://memoria.bn.br>.
A GAZETA ESPORTIVA. Coleção do Arquivo Histórico do São Paulo FC. São Paulo, 2017.
A PLATEA. Coleção do Arquivo Histórico do São Paulo FC. São Paulo, 2017.
ARAKAN. A revista dos sampaulinos. Edição nº 7, Outubro de 1942. São Paulo, 1942.
CORREIO DE S. PAULO. Biblioteca Nacional Digital. Disponível em <http://memoria.bn.br>.
CORREIO PAULISTANO. Biblioteca Nacional Digital. Disponível em <http://memoria.bn.br>.
DIÁRIO DA NOITE. Coleção do Arquivo Histórico do São Paulo FC. São Paulo, 2017.
FEDERAÇÃO PAULISTA DE FUTEBOL. Comunicados Oficiais da Federação Paulista de 1942.
FEDERAÇÃO PAULISTA DE FUTEBOL. Relatório da Federação Paulista de Futebol de 1942.
FOLHA DA MANHÃ. Acervo Folha. Disponível em <http://acervo.folha.uol.com.br>.
FOLHA DA NOITE. Acervo Folha. Disponível em <http://acervo.folha.uol.com.br>.
LIGA DE FUTEBOL DO ESTADO DE SÃO PAULO. Boletins da LFESP de 1940.
MUNDO ESPORTIVO. Biblioteca Nacional Digital. Disponível em <http://memoria.bn.br>.
O ESPORTE. Coleção do Arquivo Histórico do São Paulo FC. São Paulo, 2017.
O ESTADO DE S. PAULO. Acervo Estadão. Disponível em <http://acervo.estadao.com.br>.
SÃO PAULO FUTEBOL CLUBE. Arquivo Histórico do São Paulo FC. São Paulo, 2017.
SÃO PAULO FUTEBOL CLUBE. Site Oficial do São Paulo FC. Disponível em <http://www.saopaulofc.net>.
SERRA, MICHAEL. Entrevista a Flávio José Rocha. São Paulo, 2012.
UNZELTE, Celso & VENDITTI, Mário. Almanaque do Palmeiras. Editora Abril: São Paulo, 2007. 

A Gazeta, 21 de setembro


6 comentários:

  1. Em janeiro de 1958
    Palmeiras x São Paulo jogaram amistosamente, mas essa partida nao cobsta nos registros do confronto entre ambos...
    Por quais motivos?

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    1. refere-se ao jogo de 6 de janeiro? No Pacaembu.
      Era o time aspirante.

      Abs

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  2. Trofeu Colombino.
    http://www.vivamirecre.com/media/galeria/39/1/9/1/3/n_recreativo_la_historia-10303191.jpeg

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    1. Jaime? Boa. Vou agendar essa. Pro ano que vem, ja tenho posts marcados até dia 31/12 hehe OBrigado

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    2. Valeu, Michael.
      Encontrei essa imagem ao procurar imagens do Recreativo Huelva.

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    3. Agendei para 3 de janeiro. Obrigado de novo!

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